Mulheres com idades entre 21 e 40 anos, mães, atacadas em casa, à noite ou de madrugada, a faca ou a tiros, pelo namorado, companheiro ou marido de quem haviam se afastado após relacionamento que durou, em média, cinco anos.  Quase todas submetidas a episódios anteriores, formalizados ou não em delegacia policial, de violência doméstica.

Esse é o perfil das vítimas de tentativa de feminicídio e de feminicídio consumado constatado por pesquisa da Defensoria Pública do Rio, que se debruçou sobre 107 processos em tramitação nos Tribunais do Júri fluminense, aos quais cabe julgar casos de atentado contra a vida.

— Os dados deixam claro que as vítimas de feminicídio são alvos de pessoas próximas, com quem mantiveram ou mantêm relacionamento amoroso, e sofrem de situações de violência em momentos e locais em que se encontram mais vulneráveis. Cerca de 73% dos crimes ocorreram em período de descanso. A incidência é a mesma para os casos registrados na residência da vítima, morasse ela ou não com o agressor — explica a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber.

O trabalho, realizado em parceria com a Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, consistiu na leitura e análise documental de processos sobre o assunto. A mais de uma centena de casos foi registrada em pontos de norte a sul do Estado do Rio, sendo a grande maioria na capital (75 ações judiciais).

Uma das principais conclusões da pesquisa é relativa à motivação do crime, conforme o que consta no inquérito policial ou nos autos do processo, declarado pelo próprio autor do crime.

— Uma em cada três agressões é atribuída, pelo autor, à dificuldade em aceitar o fim do relacionamento — resume a diretora de pesquisa.

O texto do trabalho é claro quanto aos principais fatores que motivaram o crime: recusa da vítima em reatar o relacionamento; ciúme; discussão por razões diversas; vingança, inclusive por registro policial de agressão anterior; gravidez; e recusa da mulher em ter relação sexual.

— O objetivo primordial dessa pesquisa é compreender as circunstâncias que envolvem a prática do feminicídio, especialmente no que se refere à realidade da mulher vítima desse tipo de violência. O feminicídio é um crime evitável, desde que os mecanismos de proteção às mulheres previstos na Lei Maria da Penha sejam acionados. A pesquisa revela que em 55% dos casos analisados há relato de violência doméstica anterior. No entanto, as vítimas deixaram de formalizar o registro em razão de medo ou coação praticada pelo réu. Esperamos com esses dados qualificar a atuação da Defensoria Pública na assistência às vítimas de violência de gênero e compreender melhor por que razões a rede de proteção à mulher não foi eficaz na sua proteção — detalha a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, Flavia Nascimento.

Apesar de a Lei 13.104/15 ter alterado o art. 121 do Código Penal para qualificar a prática do homicídio quando a vítima é mulher e os motivos do crime se relacionam a essa condição, ainda há processos em que as denúncias não consideram a tipificação.

— Os números mostram que, passados quase cinco anos da Lei do Feminicídio, muitos casos ainda são denunciados como homicídio. Trazer à luz um levantamento como esse é um passo importante para combater a violência de gênero, em especial no ambiente doméstico — ressalta a defensora pública Flavia Nascimento.

O cruzamento de dados permite ainda concluir que os casos de agressões que terminam com a tentativa ou a consumação da morte da vítima pouco têm a ver com o tempo de relacionamento do casal. Alguns haviam sido iniciados um mês antes do crime; outros tinham décadas de duração. O tempo decorrido entre o rompimento e o ataque é bem mais curto: de 24 horas a 18 meses.

No tocante ao histórico criminal dos acusados, a Defensoria examinou todas as informações encontradas nos processos sobre qualquer episódio de violência doméstica contra a vítima, ainda que não tenha ocorrido um relato formal, como a elaboração de ocorrência na delegacia. Em geral, esses relatos aparecem nos depoimentos das vítimas ou das testemunhas, que indicam ter ocorrido uma agressão não denunciada por medo da mulher ou por coação do réu.

Dos 107 processos estudados, todos ajuizados entre 1997 e 2019, 40 já foram julgados, dos quais 31 terminaram em condenação. No total, 69 contêm relatos de violência doméstica anterior, apenas 23 dos quais anotados na folha de antecedentes criminais do autor. 

Acesse aqui  a íntegra da pesquisa.



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