Em dia histórico, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro realizou audiência pública, nesta sexta-feira (13), com o auditório lotado de pessoas em situação de rua, para debater a criação do Comitê Gestor Intersetorial da População em Situação de Rua no Município do Rio de Janeiro. O evento, realizado no auditório da Fesudeperj, na sede administrativa da Instituição, possibilitou a troca entre setores do poder público e da sociedade civil, para que as políticas públicas a serem elaboradas em conjunto sejam fruto dessa transversalidade. Diversos relatos e reivindicações foram colocadas pelos cidadãos, que reconheceram a importância da audiência ser realizada dentro da Defensoria, com cerca de 150 pessoas em situação de rua. 

A recomendação da criação do Comitê Gestor Intersetorial da População em Situação de Rua no Município do Rio de Janeiro e de um Centropop para o Centro do Rio foi assinada e será entregue à Prefeitura do Rio na segunda-feira (16). O Secretário Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura, Adilson Pires, e o subsecretário de Proteção Social Especial da Prefeitura, Rodrigo Abel, foram convidados para a audiência pública e não compareceram. A criação do Comitê e do Centropop estão previstas no Decreto 7053/09, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua. 

A defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), Carla Beatriz, abriu a audiência agradecendo a participação de todos e falando sobre o trabalho da Defensoria de garantir o direito à assistência jurídica e promover a igualdade entre as partes. Logo em seguida, o Coral Maranathá, que se apresentará durantes as Olimpíadas Culturais e que trabalha com arte com as pessoas em situação de rua, se apresentou sob a regência de Ricardo Vasconcelos. Para o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria, Fabio Amado, destacou sua satisfação em ver o auditório lotado de pessoas que realmente precisam do trabalho da Instituição.

- Hoje, dia 13 de maio, 128 anos depois da abolição da escravatura, ainda temos nossos jovens sendo exterminados diariamente em nossas ruas. Com as Rondas de Direitos Humanos (Ronda DH), que acontecem em conjunto com a Defensoria Pública da União do Rio de Janeiro e de movimentos da sociedade civil, temos visto que muitos de vocês não têm o direito nem de guardar seus papelões que os agentes públicos do Estado não deixam. Precisamos elaboras e cobrar políticas públicas para frearmos isso. Estamos muito felizes de recebê-los aqui na Defensoria, a Casa da Cidadania, onde vocês têm direito e voz e podem entrar pela por da frente sem qualquer restrição – declarou o coordenador do Nudedh.

A liderança do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), na Bahia, Maria Lúcia Pereira, contou que viveu nas ruas por 16 anos e que sabe muito bem das dores de dormir com chuva, de acordar apanhando e com jato de água na cara. Ela falou sobre a importância das pessoas em situação de rua se unirem aos setores do poder público que lutam pelos seus direitos para conseguirem romper com essa situação. Também falou sobre a importância de entenderem que política também é quando os cidadãos podem pegar seus filhos na escola e ir para casa ou quando pode acessar ao Sistema único de Saúde (SUS) quando precisar, direitos esses negados atualmente.

- Há muito tempo nos falam que o nosso único direito é o direito de não ter direito nenhum, mas precisamos nos unir e lutar. Precisamos mostrar que não queremos só abrigo com comida e cobertor de péssima qualidade. Não queremos ser varridos da cidade quando os megaeventos se aproximam em nossa cidade. Precisamos debater e concretizar de que forma vamos ser incluídos em nossa cidade. Já estive na mesma situação que vocês e posso garantir que as coisas só mudam se a gente lugar para que mudem.

“Nada pode ser dito sobre nós, sem nós” e “somos cidadãos de direito, mas não temos direito nenhum” foram algumas das frases que mais foram repetidas durante a audiência. A defensora pública subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica), Elisa Cruz, falou sobre o novo protocolo de abordagem e que acredita que já existem instrumentos suficientes para avançar nas políticas públicas para pessoas em situação de rua. Ela também falou sobre as graves violações de direitos que as crianças e os adolescentes em situação de rua passam e que a Prefeitura não pode seguir ignorando as violações de direitos.

Wiliam, de 42 anos, morava em uma comunidade em Campo Grande quando foi preso por tráfico de drogas. Ao cumprir sua pena, voltou para casa onde ficou por apenas cinco dias, pois a milícia havia dominado sua comunidade e ele precisou sair de lá. Sem ter para onde ir, foi assim que foi parar nas ruas, onde vive há 10 anos. Ele contou que vai começar em breve um curso de eletricista do Banco Previdência, mas que sua maior dificuldade é em conseguir emprego por não ter como comprovar residência fixa.

- Pra mim, uma das piores dificuldades em viver na rua é dormir nos dias de chuva. É muito frio, você fica molhado, são noites em claro. – contou Wiliam, que disse que procura dormir sempre com amigos da rua por conta da segurança deles. Ele disse que já perdeu muitos amigos.  O vereador e presidente da Comissão de População de Rua, Reimont Otoni, destacou que a Prefeitura tem o dever de criar o Comitê Intersetorial e de pensar políticas públicas para essa parcela da população e que isso não é um favor.

Também compuseram a mesa a líder do MNPR no Rio de Janeiro, Maralice dos Santos, o defensor público da União, Renan Vinícius Souto e a assistente social e professora titular de pós-graduação da UFRJ, Mariléa Porfírio.

 

Foto: Erick Magalhães

Texto: Thathiana Gurgel



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