Manicômios Judiciários: Defensorias vão ao STF em defesa de medida do CNJ que pede a desativação das unidades

 

“Não me tira daqui não, lá é pior que o inferno”. Esse foi o pedido desesperado ouvido por uma equipe da Defensoria Pública do Rio de Janeiro no interior de um presídio no Estado, no início de 2022. O relato, feito por um portador de transtornos mentais que preferiu permanecer na Unidade Prisional normal, mesmo sem a medicação necessária, é o retrato vivido por  muitas pessoas que estão em hospitais de custódia.

Descrições como essa e as inúmeras denúncias de violações de direito recebidas diariamente, motivaram as Defensoria Públicas de todos os Estados a enviarem ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pedido para ingressar como amicus curiae (amigo da corte) em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a desativação dos hospitais de custódia do país, conhecidos como manicômios judiciários.

A medida, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), busca cumprir a Lei Antimanicomial, de 2001, que prevê que pessoas com transtornos e doenças mentais que cometeram crimes sejam atendidas pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps). A desativação dos hospitais deve ocorrer até maio do ano que vem.

O pedido de ingresso é encabeçado pelo Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (Gaets). Na avaliação do colegiado, a medida do CNJ segue o que já é previsto em lei e deveria ter sido cumprido há mais de duas décadas.

As violações de direitos ocorridas em hospitais de custódia do Rio vêm sendo monitoradas pela DPRJ há mais de 10 anos. Em vistorias realizadas pela Defensoria Pública, já foram relatados casos de pacientes abrigados em celas comuns quando deveriam ter aparato hospitalar, pessoas recebendo dosagem de remédios acima do indicado, além da falta de médicos e psiquiatras. 

Para o defensor público Pedro Carriello, o pedido de amicus curiae é uma exigência constitucional a defesa da Resolução do CNJ e sobretudo das pessoas que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade.

— A atuação das Defensorias Públicas do Brasil traz humanização para a questão e ajudará a quebrar o estigma que pessoas com transtornos necessitam de um tratamento violento como historicamente vem acontecendo. Não  queremos mais o trágico holocausto brasileiro nos hospitais psiquiátricos — ressaltou Carriello.

O defensor também explicou que não há inovação nas  diretrizes do ato do CNJ, nem invasão de competência, apenas um caminho melhor para a efetivação e regulação de algo já existente em sintonia com o  sistema antimanicomial.

Defensoria do Rio participa de Grupo de Trabalho que instituiu política antimanicomial

Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a desativação de todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico para pessoas com transtornos e doenças mentais que cometeram crimes no Brasil. A obrigação faz parte da resolução 487, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário e promete ser uma solução para as sistemáticas violações de direitos humanos que acontecem nesses locais. 

Para elaboração da resolução, o CNJ criou um Grupo de Trabalho com diversos especialistas sobre o tema, juristas, profissionais de saúde, membros da sociedade civil, bem como defensoras(es) públicas(os). Ao longo dos últimos dois anos, o Grupo se reuniu periodicamente para discutir  o tema da saúde mental no âmbito de todo ciclo jurídico-penal, desde a audiência de custódia até a execução das medidas.

O trabalho teve como base o caso de Damião Ximenes Lopes, morto aos 30 anos após sofrer maus-tratos em uma clínica psiquiátrica em Sobral (CE), em outubro de 1999. No julgamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ordenou que o Estado brasileiro desenvolvesse programas de formação e capacitação para médicos, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, com base nos princípios internacionais que orientam o tratamento de portadores de transtornos mentais.

De acordo com a defensora Patricia Magno, que representou a Defensoria Pública no grupo no CNJ, a lógica que permeia a resolução não é inovar, mas sim estabelecer procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei nº 10.216/2001.

— O sistema de justiça tem muita dificuldade em olhar para quem está nos porões do sistema de justiça e sobretudo para aquelas pessoas que foram selecionadas pelo duplo estigma: da loucura e do crime. O tipo de tratamento de saúde mental tem que ser o mesmo para todas as pessoas. Trancar uma pessoa em um manicômio pela vida toda é muitas vezes uma pena de morte camuflada — conclui Magno.

Texto: Jéssica Leal.



VOLTAR