O julgamento da ação movida pela Defensoria Pública do Rio para garantir atendimento médico nos presídios femininos do estado previsto para esta terça-feira (30), foi adiado novamente para o dia 6 de setembro. Em agosto do ano passado, o pedido foi negado em uma sentença proferida pela 4ª Vara de Fazenda Pública da Capital, que considerou esse direito “um privilégio inconstitucional” diante do atendimento “falido e sucateado” oferecido pela rede pública atualmente à “sociedade livre”. A DPRJ recorreu da decisão.

A ação civil pública foi ajuizada após as vistorias do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPRJ constatar que o direito à saúde das mulheres encarceradas é sistematicamente desrespeitado. Os defensores Daniel Lozoya, Roberta Fraenkel, Lívia Casseres e Fabio Amado, que atuam no caso, relatam no pedido à Justiça que nos “estabelecimentos penitenciários destinados às mulheres há total carência de atendimento médico e ginecológico para a população feminina e às questões específicas da saúde da mulher”.

Na fundamentação da ação, não faltam exemplos do descaso. Em fevereiro do ano passado, no Presídio Feminino Talavera Bruce, para onde são encaminhadas as presas grávidas, uma interna entrou em trabalho de parto, mas a ambulância não chegou a tempo e ela acabou dando à luz na unidade. Em razão da falta de estrutura, o bebê veio a falecer. Em outubro, outra detenta teve uma menina sem assistência médica, dentro de uma solitária. O caso ganhou repercussão internacional.

Na ação civil pública, a Defensoria pede que o Estado seja condenado a fornecer assistência médica, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil. A 4ª Vara de Fazenda Pública da Capital concedeu liminar favorável ao pedido, da qual o governo não recorreu. Entretanto, ao julgar o caso em definitivo, um ano depois, o juízo cassou àquela decisão, “por falta de provas”, e rejeitou a ação da DPRJ.

Com a proximidade do julgamento, a Defensoria tem recebido diversas manifestações em apoio. Emitiram nota nesse sentido o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Assembleia Legislativa do Rio (MEPCT/RJ), a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem/Brasil), o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) e a organização não governamental Justiça Global.

Entidades criticam falta de médicos

Na manifestação, o MEPCT/RJ solicita que as autoridades competentes tomem as devidas providências judiciais a fim de garantir um médico ginecologista e geral nas unidades prisionais femininas, conforme solicitado pela Defensoria na ação. A entidade também fez inspeções nos presídios do Rio e constatou “um sistemático desrespeito à Lei de Execução Penal, aos direitos e garantias constitucionais e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, em especial a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas”.

Já OAB-RJ colocou suas comissões à disposição da Defensoria para a concretização de trabalhos conjuntos no sistema penitenciário. Na nota, a entidade ressalta a pesquisa que produziu sobre as mulheres e crianças encarceradas, que revelou que mais da metade das presas não recebem nenhum atendimento ginecológico. No documento, a Ordem expressa “total apoio à causa, por se tratar de demanda urgente e necessária”.

O Cladem/Brasil, por sua vez, afirma que, “ao contrário do alegado na sentença denegatória já proferida, não se trata de quebra de isonomia entre as mulheres atendidas pela rede pública e as mulheres presas”. Segundo a entidade, “as mulheres presas tem maior exposição a doenças e estão sob a custódia do poder público”, por isso “a prestação de um atendimento médico digno assegura condições mínimas de existência humana”.

Em nota, o DDH defende que “o Estado deve se responsabilizar integralmente pela garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade, sob pena de exercício de tratamento cruel ou degradante (o que é internacionalmente equiparado à prática de tortura). Por esse motivo, o instituto vem a público expressar total apoio ao Nudedh”.

A Justiça Global também reafirma em sua manifestação a importância da ação civil pública. Na avaliação da ONG, a causa “pleiteia a garantia do direito básico à saúde, previsto na Constituição Federal em seu artigo 6º”. O dispositivo garante que “todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, mesmo estando privados de liberdade, devem ter o direito à saúde garantido e, em nenhuma hipótese, podem perder sua cidadania”.

Para a Roberta Fraenkel, as manifestações demonstram que a sociedade é contra o descaso para com as presas.

– A sociedade esta sensível às questões do encarceramento feminino e não tolera o descaso do estado, que insiste em não respeitar os direitos básicos dessas mulheres que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade. Direitos fundamentais não podem ser considerados privilégios, como entendeu a magistrada de primeiro grau – afirmou a defensora.

Texto: Giselle Souza.



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