Análise da DPRJ mostra que as propostas suprimem direitos

 

O combate à corrupção não pode resultar da supressão de direitos previstos na Constituição. É o que defende a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em um documento que analisa as 10 Medidas Contra a Corrupção – projeto de lei de iniciativa popular, atualmente em discussão no Congresso. A análise alerta para o risco de retrocessos com a limitação de garantias conquistadas com muita luta pela sociedade brasileira, como a presunção de inocência e o veto a provas obtidas de forma ilícita.

As 10 Medidas foram elaboradas pelo Ministério Público Federal no decorrer da Operação Lava Jato, que há mais de dois anos investiga uma série de desvios na Petrobras e em outras empresas públicas para financiar campanhas. O pacote, que prevê diversas alterações legislativas sob a justificativa de tornar mais efetivo o combate à corrupção, chegou ao Congresso após obter dois milhões e meio de assinaturas.

Embora reafirme a necessidade do combate eficaz e efetivo da corrupção, a Defensoria Pública do Rio constatou que muitas das medidas propostas implicam supressão de direitos e repercutem em toda a população. O defensor público-geral do Rio, André Castro, vê com preocupação algumas propostas previstas no pacote. Ele ressaltou que a Defensoria é contra a corrupção, mas o combate a esse crime não se faz com a redução de direitos nem com a fragilização do Estado Democrático.

As propostas que podem restringir o direito de defesa de todos os cidadãos são as mais preocupantes. Sob a justificativa de “aumentar a eficiência e a justiça dos recursos no processo penal”, o pacote de medidas propõe a alteração da legislação para permitir, entre outros pontos, a execução imediata da condenação quando o tribunal considerar que houve abuso da defesa do acusado do direito que ele tem a recorrer, assim como para limitar o uso do habeas corpus. A consequência imediata dessas medidas será o maior tempo de encarceramento – mesmo nos casos em que a prisão for injusta.

André Castro lembra que a utilização do habeas corpus, sobretudo em crimes políticos e que envolvessem a segurança nacional, já foi suspensa no Brasil, com a edição do Ato Institucional nº 5, em 1968. Na avaliação dele, a limitação do uso do instrumento é uma medida típica de regimes autocráticos. 

Mas esse quadro pode piorar caso também seja aprovada a medida que autoriza a atualização de provas obtidas ilegalmente, desde que com “boa fé”. A prova ilícita é aquela produzida em razão da violação de um direito reconhecido na Constituição e a exclusão dela tem previsão nos tratados internacionais de Direitos Humanos. A não utilização desse tipo de prova é uma garantia fundamental que não pode ser relativizada, defende André Castro. 

O defensor público-geral chamou atenção ainda para a medida que prevê o teste de integridade para servidores públicos e que só poderia ser aplicado com a anuência do MP. Na avaliação do defensor, combinada com as denúncias anônimas também propostas pelo pacote legislativo, a medida criará um clima de desconfiança generalizada na administração pública.

Uma medida também considerada perigosa é a que autoriza a prisão preventiva do acusado até a devolução do dinheiro desviado. Para Castro, a proposta fere a presunção de inocência garantida na Constituição.

– Ainda não está provado que a pessoa desviou aqueles recursos e, no entanto, prevê-se a prisão provisória para esse fim. Isso é grave, pois se antecipa o cumprimento de uma eventual pena – destacou.

Repercussão das medidas 
A análise das 10 Medidas contou com a participação de diversos defensores públicos do Rio. Todos frisam a importância do combate à corrupção e da importância da iniciativa. Porém, ressaltam a necessidade de algumas propostas serem ajustadas ou mesmo a revogadas.

É o caso da medida “Ajustes na Prescrição Penal Contra a Impunidade e a Corrupção”, que objetiva a alteração do artigo 110 do Código Penal para aumentar em um terço o prazo da prescrição – ou seja, do tempo que o Estado dispõe para julgar e punir uma pessoa que praticou um crime.

Ao analisar a proposta, o defensor público Eduardo Castro destacou que “a prescrição é uma garantia constitucional de qualquer cidadão que, justa ou injustamente, tenha sido acusado de cometer um delito, contra uma possível sujeição eterna ao poder punitivo estatal”. De acordo com ele, “muito mais do que uma ferramenta que obste a eternização dos processos, a prescrição legitima o princípio constitucional da duração razoável do processo”.

Outra medida analisada pela DPRJ foi a “Eficiência dos Recursos no Processo Penal”, que proíbe a utilização dos recursos nos casos em que for considerada abusivo e com a finalidade de atrasar o julgamento final da ação penal. Na análise que fez sobre a proposta, a defensora Elisa Cruz lembrou que o recurso é válido para todo tipo de processo (administrativo, cível e penal) e tem previsão na Constituição.

– Como poderíamos considerar ilícito ou inadequado o uso de um recurso que é considerado pelo acusado como essencial para provar sua inocência ou seu direito a uma pena menor? – questionou a defensora.

Segundo Elisa, uma pesquisa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal mostrou que em 41% dos recursos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e em 64% dos recursos da Defensoria Pública de São Paulo foram reconhecidas alguma injustiça.

– Isso significa que graças a insistência na interposição de recursos, uma grande quantidade de pessoas conseguiu mudar a sentença de um juiz e conseguir que a Constituição e a lei fossem aplicadas da forma correta – ressaltou a defensora.

Estudo na íntegra
A íntegra do estudo feito pela Defensoria sobre as 10 Medidas pode ser conferida aqui.



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