De um total de 101 jovens, 30% não deveriam ter sido internados

 

Em 30% dos casos, a internação provisória dos adolescentes apreendidos em flagrante, registrados no primeiro mês de funcionamento do Núcleo de Audiência de Apresentação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não se enquadra nos requisitos para a aplicação desta medida. É o que aponta um levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) sobre o sistema instituído no estado, no dia 1º de junho, com o objetivo de proporcionar uma integração entre o Sistema de Justiça para atendimento ao adolescente apreendido em flagrante de ato infracional.

A pesquisa foi elaborada a partir de questionários preenchidos por defensores públicos durante o atendimento aos adolescentes no primeiro mês de funcionamento do Naap. Nesse período, a Defensoria Pública atendeu 220 casos. Desse total, 101 resultaram em internação provisória para os adolescentes. Dos casos de internação, 30% referiam-se à prática de ato infracional cuja medida socioeducativa a ser aplicada, segundo a legislação, é o meio aberto – ou seja, o adolescente não deveria ter sido internado nas unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), como aconteceu.

Entre esses casos, 13% referiam-se a furto, 10% à Lei de Drogas, 5% ao Estatuto do Desarmamento e 2% à receptação. Em todos eles foi aplicada a internação quando, na verdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que tal medida somente pode ser aplicada diante da prática de ato infracional com a ocorrência de grave ameaça ou de violência contra a pessoa; por reiteração de outras infrações graves ou quando há descumprimento reiterado ou injustificado de medida anteriormente imposta.

– Infelizmente e apesar dessa previsão legal, ainda lidamos com a aplicação de medidas de internação provisória para atos infracionais cometidos em crimes previstos na Lei de Drogas, por receptação ou furto, por exemplo. Não só o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU estabelece que a internação deve ser utilizada como último recurso para o adolescente – destaca a coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública (CDEDICA), Eufrásia Maria Souza das Virgens.

– A Constituição da República determina, ainda, a observância dos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento quando da aplicação de medida privativa de liberdade. Já a Lei 12.594/2012, que instituiu o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), prevê o meio aberto quando não houver vaga e hoje estamos vivendo um quadro de superlotação nas unidades – concluiu.

O relatório da Defensoria Pública ainda aponta o perfil dos adolescentes. Segundo o levantamento, do total de apreendidos, 215 são do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Treze deles teriam filhos. 
Dos 91 questionários com informações sobre raça, 73 indicam que os adolescentes são pretos e pardos. Os outros 157 questionários com dados sobre educação, 84 apontam que os jovens não estudam. Entre os que estudaram, 100 têm apenas o ensino fundamental. 

Habeas Corpus 

Ainda em junho, a Cdedica obteve liminar em favor de um adolescente que estava respondendo pela prática de ato infracional análogo a dano ao patrimônio e que foi internado por decisão judicial proferida no Naap. A Defensoria Pública, ao impetrar habeas corpus no plantão noturno, alegou que o caso não era de internação, pois o ato praticado – quebrar a janela de um ônibus – não envolveu violência ou grave ameaça. A DPRJ chamou atenção também para a condição de evidente de transtorno mental do adolescente, apontado em um relatório da equipe técnica do Tribunal de Justiça. 

Ao ser colocado em liberdade por decisão do desembargador de plantão, o adolescente foi acolhido em instituição e encaminhado no dia seguinte, conforme solicitação da Defesa e por iniciativa da própria Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, para a avaliação no CAPSI (Centro de Atenção Psicossocial Infantil). O jovem foi internado no Pinel, onde ficou por 30 dias para tratamento psiquiátrico. 

Segundo a defensora Eufrásia, esse é apenas um exemplo de que a internação necessária para atender o interesse do adolescente era internação hospitalar e não internação como medida socioeducativa privativa de liberdade.

 



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