O olhar da sociedade civil sobre a realização das audiências de custódia, procedimento implementado no Rio há um ano, deu início ao segundo dia do seminário "Defensoria Pública e Audiência de Custódia". O evento promovido pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), na quinta (20) e na sexta (21), avalia o andamento da medida voltada à apresentação dos presos temporários a um juiz - e no prazo de 24 horas - para que o magistrado analise as circunstâncias legais da prisão.

Com início às 10h no auditório da DPRJ, o debate "Audiência de Custódia: Olhar da Sociedade Civil" contou com a participação do coordenador de Defesa Criminal da instituição, Emanuel Queiroz; da delegada no Brasil da Associação para Prevenção da Tortura, Sylvia Dias; do diretor para a América Latina da Open Society Foudations, Pedro Abramovay, e da professora de Direito Constitucional e de Teoria Geral da PUC-RJ, Thula Pires.

- O olhar da sociedade civil é fundamental para que a Defensoria Pública siga os seus rumos. A instituição, fundamentalmente voltada para os Direitos Humanos, é um instrumento da República e precisa estar sempre sintonizada com o olhar da sociedade civil sobre os institutos. E a apresentação desse olhar é fundamental, certamente, na análise diária não só da Defensoria enquanto instituição como também na realidade cotidiana dos defensores públicos que estão no front - destacou Emanuel Queiroz.

Delegada no Brasil da Associação para Prevenção da Tortura, Sylvia Dias pontuou que a audiência de custódia é, hoje, um dos principais instrumentos para prevenir, evitar e inibir a violência policial contras as pessoas custodiadas por qualquer razão. Segundo ela, para alcançar o potencial de "dissuadir a prática da tortura", serão necessárias a implementação de algumas condições durante as audiências:

-  Por exemplo, se houve relato de caso de violência, de ameaça ou de agressão, que esse relato seja efetivamente registrado, que seja feito o registro fotográfico devido, que seja feito um exame de corpo de delito, que seja encaminhado às autoridades e às instituições cujo dever é o de tomar medidas, estando, entre elas, o Ministério Público e a Corregedoria. E que possa ocorrer um acompanhamento da apuração das denúncias porque, senão, a gente cai num vazio e não tem realmente um real resultado do que está sendo feito em relação à apuração das denúncias. A Defensoria tem um papel importantíssimo nisso - observou.

Em seguida, o diretor para a América Latina da Open Society Foudations, Pedro Abramovay, destacou a importância das audiências de custódia no processo de desencarceramento.

- Nada do que eu tenha visto provocou o desencarceramento como a audiência de custódia, mas isso não significa que ela provoca uma alteração no sistema ou mesmo uma mudança de direção para onde a gente está indo como o processo de superencarceramento. E é importante lembrar disso ao analisar o assunto - disse.  

Para a professora de Direito Constitucional e de Teoria Geral da PUC-RJ, Thula Pires, é importante avançar na discussão das audiências de custódia tendo como lente de análise privilegiada a questão racial, sobre como ela impacta as audiências de custódia. A docente explica que "é avançar nessa discussão no sentido de sair do consenso, já estabelecido, de que o sistema de Justiça Criminal é racista. Isso todo mundo já sabe e não só as audiências de custódia reforçam e demonstram isso como todas as áreas do sistema de Justiça Criminal fazem a mesma coisa e, assim, a gente não avança se continuar no lugar confortável de reprodução desse acordo estabelecido."

- A minha proposta é de que se coloque a branquitude e o sistema de privilégios que ela engendra sobre o branco para que a gente consiga avançar nos efeitos que essa racialização do sistema de Justiça criminal produz. Exatamente, também, para que os operadores do Direito, normalmente brancos, possam perceber os impactos da questão racial sobre a sua própria atuação, em outros termos.

E continua:

- É pautar a questão da branquitude, que é uma discussão complexa, mas é uma discussão colocada no Brasil há muito tempo. Não estamos importando a teoria de ninguém. Essa é uma questão discutida aqui, pelo menos, desde a década de 50, mas antes disso havia discussões sobre o tema também. Só que sistematicamente ou academicamente, pelo menos, desde a década de 50, e que não vem muito para as discussões de Antropologia Jurídica, Sociologia Jurídica e Criminologia Crítica. Então, é trazer essa provocação, que gera não só uma discussão epistêmica, em outros termos, mas uma mudança de atitude, que pode produzir ou potencializar os efeitos pretendidos das audiências de custódia - ressaltou Thula.

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Erick Magalhães



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