Defensoras (ao centro) debatem a internação compulsória

 

Compreender e dialogar com a rede de atenção psicossocial é fundamental para que a Defensoria Pública atue de acordo com sua missão constitucional de promoção de direitos humanos e não na contramão da luta antimanicomial que inspirou a reorientação do modelo de saúde mental vigente no Brasil. Foi o que afirmou a defensora pública Patrícia Magno no evento “Internação Compulsória – Por Quê, Para Quê e Para Quem?”, que a Defensoria Pública do Estado do Rio promoveu nesta sexta-feira (25).     
                   
No evento, a defensora lembrou que a Lei 10.216/2001, que promoveu a reforma psiquiátrica no Brasil, priorizou o tratamento ambulatorial das pessoas com transtornos mentais. Contudo, a norma manteve a internação involuntária para os casos em que isso seja estritamente necessário ao tratamento médico prescrito para a pessoa em sofrimento psíquico, seja por uso abusivo de drogas ou por força de transtorno mental. 

Não raro, a internação involuntária acaba sendo confundida com a internação compulsória, que tem caráter penal (é usada como medida de segurança) e não pode ser utilizada na esfera cível ou de família. Patrícia Magno ressaltou que cabe à Defensoria a promoção da dignidade e dos Direitos Humanos das pessoas internalizadas, por isso a necessidade de se observar alguns critérios na hora de requerer judicialmente esse tipo de intervenção. 

– Quando a família, em desespero, bate às portas do nosso órgão de atuação, pedindo a internação de uma pessoa, precisamos ter o cuidado de fortalecer o trabalho da saúde mental e não atravessar o trabalho da rede de atenção psicossocial (RAPS). Precisamos ter em mãos os contatos do CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) do território da família e contatar a rede para que realize uma visita domiciliar e o acolhimento das pessoas que sofrem. O familiar sofre também. É nosso dever não produzir mais sofrimento. Um pedido formulado na Justiça engessa o atuar médico, mas deve ser formulado quando é o próprio médico que indica a internação e não há vagas de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Deve ser pedida quando não há vagas (na rede pública de atendimento psicossocial), por exemplo, o que justifica nossa atuação no Judiciário. Do contrário, a pessoa deve ser encaminhada para a rede normal – defendeu. 

Patrícia destacou também a necessidade de haver atenção na forma de requerer a medida, para que a atuação médica não seja prejudicada. “Temos que repensar como fazemos esses pedidos para que não entreguemos aos juízes a decisão sobre a desinternação, por exemplo. Com isso, às vezes poderemos criar uma internação de longo prazo, que é desnecessária e ilegal. Quando necessária, temos que requerer a internação involuntária, que deixe aberta para a equipe médica a decisão sobre desinternar”, destacou. 

A defensora Thaísa Guerreiro, coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da DPRJ, destacou que a instituição não faz, desde 2012, pedidos de internação compulsória em plantões judiciários noturnos, justamente em razão da complexidade do tema. 

Isabel Tereza Pinto Coelho, juíza de Direito e doutoranda em saúde pública pela ENSP, que também participou do evento, destacou que o Poder Judiciário tem por missão zelar pelos Direitos Humanos e que a internação compulsória inclui uma ideia voltada para uma questão moral, de controle dessa população, muitas vezes dentro de uma lógica higienista. “Há um senso comum de que o enclausuramento reduz o uso abusivo de drogas”, frisou. 

Na avaliação da juíza, “temos que reconhecer que os dependentes químicos podem ter feito uma escolha de usar uma substância, mas são sujeitos e têm direito a tratamento, se assim desejarem”. Ela entende que o pedido de internação compulsória para o dependente químico é juridicamente impossível.

Também participaram do debate a professora Ana Paula Freitas Guljor, pesquisadora da ENSP/FIOCRUZ; Marcos José de Souza Martins, psicólogo e diretor-geral do Instituto Juliano Moreira; e Rafael Morganti Pinheiro, enfermeiro de Saúde Mental do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III.  

Debatedores

Ana Paula foi a responsável por abrir o debate. Ela apresentou uma reportagem sobre o processo social e político que culminou com o fechamento do Dr. Eiras, hospital psiquiátrico em Paracambi, considerado o maior da América Latina. A partir da reportagem, resgatou os antecedentes históricos do manicômio e demonstrou como ele ainda se atualiza nos espaços institucionais totais que denunciam, à semelhança dos campos de concentração da II Guerra Mundial, a exceção ao Estado de Direito.  

Marcos, por sua vez, destacou a importância do diálogo com a Defensoria Pública, especialmente para discutir a diferença entre apelo e demanda. "Por vezes, recebemos um familiar trazendo uma demanda por acolhimento, escondida num apelo pela internação de seu familiar", destacou. Para ele, "Não está mais em questão se as instituições funcionam ou não, mas está em questão a que valores as instituições devem responder", valorizando o papel ético que a Defensoria Pública tem assumido na área da saúde mental.

Por fim, Rafael ressaltou que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) está regulada pela Portaria 3088 do Ministério da Saúde e que seu mandato é amplo em função da melhor estratégia de defesa da vida. "Se a gente parte do pressuposto que o lugar do louco é na vida, na cidade, onde ele quiser, o trabalho no território visa a derrubada de todos os muros do manicômio, inclusive, os do preconceito". Isso porque, "quando se afirma que toda vida vale a pena, isso não é poético, é ético".    
 



VOLTAR