Nas linhas que seguem revelam-se alguns aspectos das lutas íntima e judicial que Karine Tavares Vasconcelos (33) trava na sua vida. Funcionária da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, ela trabalha no Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis), localizado na sala 1502, da Rua México, nº 11. A loira, secretária e auxiliar administrativa topou contar um pouco da sua história ao Servidor em Foco e contribuir para dar visibilidade à causa trans.

Karine também é assistida da Defensoria Pública, desde o ano passado, quando entrou na justiça com uma ação para ter direito ao reconhecimento do seu nome social como seu verdadeiro nome. No processo de requalificação, ela pede as mudanças de nome e de sexo nos seus documentos civis. O juiz da vara de registro público atendeu parcialmente o pedido e proferiu decisão favorável à mudança de nome; mas, em relação à mudança do sexo, o magistrado negou o pedido pelo fato de não haver sido realizada cirurgia de redesignação genital.
 
Enquanto aguarda a tramitação do recurso impetrado pela Defensoria Pública e a decisão judicial final, Karine segue a vida com o nome social.
 
A luta por um novo nome
 
Ao menos na administração pública, está garantido às pessoas trans portarem identidade funcional com o nome social pelo qual preferem ser chamadas. Lê-se 'Karine' no crachá da secretária do Nudiversis porque a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro editou a Resolução nº 627/2012, que reconhece o direito ao tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis, à semelhança do que já era previsto no Decreto Estadual nº 43.065/2011, que atinge toda a administração pública direta e indireta do Estado.
 
Quanto ao nome masculino que consta na sua certidão de nascimento e na carteira de identidade, Karine prefere deixar quieto e não o revela.

– Eu não me identifico com o meu nome civil, porque ele nada me diz. Prefiro esquecê-lo. Se quero deixar para trás o nome masculino e assumir a minha verdadeira identidade, e com o sexo feminino, é muito mais para manter a minha sanidade mental que por uma questão social. Eu quero existir. 
 
A busca pelo direito ao novo nome e ao sexo feminino sempre foi uma questão de ordem íntima, pessoal e emocional de quem, desde a infância, se vê como uma menina num corpo de menino. Um drama de identidade de gênero comum a aproximadamente 6% da população brasileira – parcela que assume a transexualidade, de acordo com pesquisa conduzida pela Universidade de São Paulo, quase há uma década.
 
Transitoriamente, entre a adolescência e o início da sua fase adulta, por volta dos 22 anos de idade, Karine usou o nome Iuri K, que considerava andrógeno. O primeiro namorado de Iuri gostava de imaginar o significado de ‘K’. Testando nomes iniciados com ‘K’, surgiu então ‘Karine’, com o qual ela imediatamente se identificou e passou a usar como nome social. Nome que ela espera, em breve, poder ler na sua cédula de identidade.
 
O ingresso na Defensoria Pública   
 
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que possui entre os seus núcleos de atendimento especializado o Nudiversis – atuante na defesa individual e coletiva dos direitos dos cidadãos LGBTs e que monitora as políticas públicas destinadas a promover a igualdade deste grupo populacional – tem por prática incluir em seu quadro de funcionários também pessoas trans.
 
Moradora da Ilha de Guaratiba, filha única e mãe de dois filhos biológicos – o menino David, de 7 anos; e a menina Bela Ester, de 5 – Karine sempre enfrentou dificuldade para conseguir emprego. Com um curso técnico de magistério, já trabalhou em vendas, foi auxiliar de jardinagem e atendente no McDonald's. Até que, em 2015, aproveitou a oportunidade de participar do Damas, projeto da Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual do Município do Rio de Janeiro que visa a incluir trans e travestis no mercado de trabalho.
 
– Eu fiz um curso de readequação social, no qual aprendi noções de postura e tive orientação para o uso da voz e sobre comportamento em entrevista de emprego. Sem esse curso eu dificilmente conseguiria estar aqui falando de mim para o Servidor em Foco – destacou Karine, em entrevista livre que aconteceu na sala do Nudiversis, na última segunda-feira de janeiro (30/1).
 
No final do curso Damas, na fase do estágio, Karine escolheu experimentar a vivência do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), onde permaneceu até a metade do ano de 2016. Depois, assumiu o posto de secretária do Nudiversis. Karine também é responsável por fazer as famosas OS – as ordens de serviço. Ela organiza ofícios, sugere melhorias no atendimento e gosta de receber o público:
 
– Trabalhar na recepção é muito enriquecedor para mim. Aqui eu vejo facilmente o quanto as pessoas são diferentes umas das outras. É bom conviver com essas diferenças – afirmou.
 
Assim que na sua carteira de identidade constar o nome Karine Tavares Vasconcelos e o sexo feminino, ela planeja cursar uma faculdade. Ainda não decidiu se de psicologia ou direito. Quer trabalhar na Polícia Federal.



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