Para dar início ao Circuito de Favelas por Direitos deste ano, a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do Rio (DPRJ), junto com a Comissão de Direitos Humanos da Alerj, da Defensoria Pública da União (DPU), da Secretaria de Direitos Humanos e de organizações civis parceiras, realizou duas visitas na última sexta-feira (5). Na parte da manhã, o grupo esteve no Salgueiro e de tarde no Morro do Borel, ambos na Tijuca. Apesar de serem favelas distintas, os relatos dos moradores foram os mesmos: casas invadidas e usadas de tróia pelos policiais, operações nos horários de entrada e saída das escolas e creches, proibições de bailes funks, charme e pagodes e, no Borel, uso de caveirão voador, o que traumatizou todos os que vivem ou trabalham na favela e que nunca tinham vivenciado uma atuação desta por parte do Estado.

Com o objetivo de fazer uma escuta qualificada sobre as violações de direitos sofridas por moradores de favelas do estado do Rio, o Circuito inaugurou suas atividades de 2019 no Salgueiro, onde houve, há cerca de dois meses, mudança no comando da UPP. De acordo com os moradores, houve um aumento significativo no número de operações e violações. Os bailes funks, que antes aconteciam, passaram a ser proibidos com o novo comando, assim como os pagodes e todas as formas de lazer produzidas pelos moradores, obedecendo a orientação dada pelo governador no início do ano. Relatos de campeonato de futebol cancelado à tiros e creches invadidas por policiais durante operações, colocando em risco à vida de crianças, também foram registrados. 

Por quê dá tiro? O morador tá cansado, a gente não aguenta mais! Eles não tão aqui pra fazer a nossa segurança? A gente precisa do baile pra movimentar a economia, por quê eles não fazem a segurança pro baile acontecer? - questionou um morador. 

Outro morador relatou que não deixou os policiais entrarem em sua casa sem mandado judicial e está respondo por desacato à autoridade. Outra moradora contou que só na semana passada foram três dias de operação no Salgueiro e que sua filha de 9 anos falta a escola e fica sempre impactada quando tem tiroteio. Crianças da Creche Semente, no Morro do Borel, também compartilham do mesmo trauma. 

 

Diretora da Creche Semente mostra como o caveirão voador ficou próximo à sala de aula.

 

No dia 20 de março, a polícia realizou uma operação com o uso de helicóptero blindado, atirando de dentro do caveirão voador, o que não acontecia há anos no Borel e que abalou os moradores e resultou no infarto e morte de uma senhora. A diretora da Creche, que fica no alto do morro, contou que foi seu pior dia à frente da instituição que trabalha há 15 anos e que conta com 100 alunos de 2 a 5 anos:

Foi no horário da saída da creche, foi um desespero total! Levamos todas as crianças para um canto seguro e começamos a cantar musiquinhas para ver se eles acalmavam. A gente convive com os tiroteios, é normal, mas nesse dia foi pesado… Imagina se matam uma criança dessa gente…  As crianças estão traumatizadas até hoje: quando passa um helicóptero hoje eles já gritam pra abaixar, que vão matar. - relatou a diretora.

Em 2018, o Circuito de Favelas por Direitos foi criado para acompanhar as violações de direitos cometidas no contexto da Intervenção Federal no estado. Foram 30 visitas realizadas em diferentes favelas e mais de 30 tipos de violações de direitos registrados. Este ano, o Circuito irá continuar com visitas agendadas e também realizará visitas emergenciais, como as realizadas em fevereiro, em Manguinhos, onde uma pessoa teria sido morta por um sniper da polícia, e no Fallet, onde 15 jovens foram assassinados pela polícia. A próxima visita está agendada para a próxima sexta-feira (12), no Fallet, quando completam dois meses da chacina no local.

Confira as fotos aqui.

 

Fotos e texto: Thathiana Gurgel



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