Reunido com defensores no V Encontro de Atuação Estratégica da
Defensoria, na sexta (17), Pedro Strozenberg apresentou
um balanço da atuação do órgão em seus
dois mandatos consecutivos

 

A ação policial que recentemente vitimou 10 pessoas no Complexo da Maré levou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), já no dia seguinte ao ocorrido, para dentro da comunidade. Foi assim também no caso dos 13 jovens mortos em operação realizada no Fallet e nos demais territórios visitados pelo Circuito de Favelas por Direitos para uma escuta qualificada junto aos moradores. Com o objetivo de apurar possíveis excessos e violações praticadas pelo Estado e assim cobrar respostas aos órgãos responsáveis, o projeto de iniciativa da Ouvidoria Geral chamou atenção no V Encontro de Atuação Estratégica da Defensoria, na sexta (17), durante palestra proferida pelo ouvidor-geral Pedro Daniel Strozenberg.

À frente do órgão por dois mandatos consecutivos e indicado para o primeiro deles pelo Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (IBASE) – e para o segundo pela Associação Casa Fluminense –, Strozenberg falou aos defensores sobre a importância da intensificação do diálogo com a sociedade civil e apresentou um balanço desses três anos de atuação na Ouvidoria. Em 2016, o órgão passou a funcionar dentro do modelo de Ouvidoria externa estabelecido na Lei nacional 132/2009 (a Lei prevê a ocupação do cargo de ouvidor por cidadãos não integrantes da carreira da Defensoria) e regulado pela Lei estadual 169/2016.

– É uma alegria estar aqui aprendendo com essa instituição plural, complexa, desafiadora e tão fundamental à democracia e ao processo de construção de uma agenda transformadora de direitos. Estamos vivendo e vamos viver tempos duros e difíceis, mas, juntos, fica mais viável enfrentar esse cenário. Entendo que a participação externa é difícil, crítica, exigente e demanda muito, mas potencializa imensamente os trabalhos das Defensorias, o trabalho nos territórios e junto aos usuários e usuárias, e de alguma maneira esse era o desafio necessário à Ouvidoria externa – disse Strozenberg, prosseguindo: “Aprendi na Ouvidoria a montar uma agenda interna, olhando para o usuário, e outra externa para o conjunto da sociedade civil.”

Para entender melhor o dia a dia da Defensoria, o ouvidor-geral inicialmente percorreu os Núcleos de Primeiro Atendimento da Região Metropolitana observando que os órgãos concentram importante quantitativo da demanda e principalmente porque estabelecem o contato inicial com o público. Ele esteve, por exemplo, no Méier e em Belford Roxo também conversando com os defensores sobre a importância de “somar energias a partir de uma perspectiva de colaboração.”

– Havia uma certa desconfiança dos defensores, no início, quanto à interação da Ouvidoria externa com os órgãos de atuação, e nesse sentido nos posicionamos no sentido de atuar juntos para potencializar os trabalhos e entendendo também que os defensores tinham muito a falar. Outro desafio era o de criar sinergia com a sociedade civil para enfrentar as desigualdades. Vivemos em uma sociedade absolutamente desigual e se não houver esforços das instituições públicas para enfrentá-las haverá pouca transformação – destacou Strozenberg.

Primeiro contato do ouvidor com a Polícia foi na Secretaria de Educação

O primeiro contato de Strozenberg com as forças policiais, enquanto ouvidor-geral da DPRJ, aconteceu ainda em 2016 com a ocupação da Secretaria estadual de Educação (SEEDUC) por estudantes que reivindicavam melhorias na rede pública de ensino. Informado em off sobre a iniciativa no mesmo dia em que acontecia o II Encontro de Atuação Estratégica da DPRJ, o ouvidor-geral foi ao local e lá permaneceu com cerca de 40 alunos até a madrugada, quando a Polícia chegou para a desocupação do espaço.

– A partir dessa data, a gente vem construindo uma narrativa diferente e alternativa aos acontecimentos. Precisamos dar voz às pessoas e ouvir o que elas têm a dizer – observou Strozenberg em seguida citando a aproximação da Ouvidoria com a Central de Relacionamento com o Cidadão – CRC (órgão de atendimento ao usuário que muito dialoga com o público) e a articulação com a Corregedoria e com o Núcleo do Sistema Penitenciário (NUSPEN) visando o atendimento aos familiares das pessoas presas.

A construção de uma agenda “mais integrada”, segundo ele, incluiu a criação da Frente Pelo Desencarceramento, em 2017, porque o ano foi iniciado com mortes e rebeliões em presídios de todo o país. E envolveu ainda a atuação da Ouvidoria no Complexo do Alemão, juntamente com os demais órgãos da Defensoria, em razão da notícia de que uma torre de duas toneladas seria instalada à época na comunidade para o combate ao crime organizado. A partir dessa atuação foi criado o Curso “Garantias Legais em Territórios Instáveis” em parceria com o Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) e com a Fundação Escola Superior da Defensoria (FESUDEPERJ).

– A torre podia ser uma tática importante para a Polícia, mas a consequência dessa decisão seria no mínimo muito problemática. Já o Curso Garantias Legais em Territórios Instáveis parte da importância de ter o território como uma referência muito forte e como importante lugar de fala de quem ali vive e sofre com a omissão do Estado e com as violações de direitos – afirmou Strozenberg.

Ele chamou atenção ainda para a criação do projeto Circuito de Favelas por Direitos, em 2018, a partir da atuação da Ouvidoria diante da intervenção federal decretada no Estado. A iniciativa que percorre as comunidades com o objetivo de ouvir moradores já esteve em 30 comunidades e nas visitas mobilizou cerca de 400 pessoas. Entre elas, mais de 60 defensores e aproximadamente 80 estudantes e servidores.

– É importante estar próximo ao território, atuar em rede e reconhecer a fala dos moradores. O circuito nos coloca o desafio de amplificar e legitimar a fala das pessoas que vivem na favela. Não é falar por eles: eles falam por si. Mas, de alguma maneira, precisam do fortalecimento da instituição para que essa fala possa reverberar, rompendo a invisibilidade e a ideia de que as pessoas podem morrer nas favelas e a vida fora delas pode seguir como se nada tivesse acontecido – ressaltou.

– Hoje, pouco mais de 3 anos após o início da atuação da Ouvidoria externa, podemos afirmar que a Ouvidoria da Defensoria Publica do Rio de Janeiro tem legitimidade na sociedade civil e uma respeitabilidade interna, e esses são dois pilares preciosos que devem ser zelados e ampliados - afirmou Strozenberg.

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Jaqueline Banai



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