Decisão obtida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro leva em
consideração a superlotação e o alto índice de óbitos
registrados na Penitenciária Evaristo de
Moraes, em São Cristóvão

Foto: Matheus de Marcos

 

O governo brasileiro recebeu notificação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a necessidade de implementação de uma série de medidas na Penitenciária Evaristo de Moraes em razão de problemas como, por exemplo, a taxa de superlotação de 252,17% (conforme registrado em abril) e o alto índice de óbitos na maioria das vezes por causas desconhecidas. Em procedimento submetido à entidade pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), a instituição obteve decisão histórica da Comissão que requer ao país, entre outras iniciativas, a adoção das providências necessárias à proteção à vida, à integridade pessoal e à saúde dos mais de 3.700 presos da unidade que, até o dia 24 de julho, registrou 13 mortes. Em 10 anos (de 2008 a 2018), foram 142.

Proferida no dia 7 de agosto, a decisão também recomendou ao Brasil que sejam adotadas ações imediatas de redução da superlotação e, ainda, que os presos tenham condições adequadas de higiene e acesso à água própria para consumo e aos tratamentos médicos necessários a cada patologia. Conforme informado pela Defensoria à CIDH, em junho de 2018 a penitenciária contava com 3775 detentos para 1497 vagas distribuídas em 39 celas com situação sanitária preocupante. Além de insalubridade e infiltrações, a DPRJ identificou problemas como falta de ventilação e de camas e iluminação, fornecimento de água interrompido por cerca de quatro vezes ao dia e por aproximadamente meia hora, insuficiência de mecanismos que assegurem a qualidade da água para consumo humano e alimentação irregular e inadequada. Foi identificada ainda proliferação de roedores e insetos, além de “calor sufocante”. 

– A situação degradante constatada pela Defensoria na penitenciária vem de anos. Em 2010, por exemplo, relatório da II Caravana Nacional de Direitos Humanos afirmou que a referida unidade era, 'sem qualquer dúvida, um dos piores (presídios) do mundo'. Posteriormente, o Ministério Público, em procedimento junto ao juízo das execuções penais, manifestou-se no sentido de que 'há muito o fechamento/interdição' da Penitenciária Evaristo de Moraes deveria ter ocorrido, tendo a Justiça determinado a 'interdição com a desocupação programada'. De lá pra cá, o número de internos aumentou exponencialmente e, para nosso espanto, o que era consenso entre as instituições, ou seja, o fechamento da unidade, caiu no esquecimento – destaca o coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, Emanuel Queiroz.

– Dada a passividade com que o Estado brasileiro trata o quadro sistemático de violações de direitos humanos na Penitenciária Evaristo de Moraes, não restou alternativa à Defensoria a não ser buscar o sistema interamericano de direitos humanos para fazer cessar o quadro dantesco por todos presenciado – observou o defensor público.

Decisão destaca “gravidade”, “urgência” e “irreparabilidade” do caso

Levando em consideração os requisitos de gravidade, urgência e irreparabilidade presentes no regulamento da CIDH, a decisão também solicita a adoção das medidas necessárias à implementação de planos de emergência para qualquer eventualidade na penitenciária, e requer que as providências tomadas sejam acordadas com os beneficiários e seus representantes. Foi solicitado ainda que o governo brasileiro informe sobre a adoção das medidas requeridas pela Comissão em razão também da assistência médica insuficiente ao atendimento da demanda no presídio, localizado em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio.

De acordo com o apurado pela Defensoria junto aos presos, o atendimento na área da Saúde é realizado por apenas uma médica, dois enfermeiros e um dentista e, além disso, há escassez de medicamentos no Evaristo de Moraes mesmo diante da incidência de casos de tuberculose e de doenças dermatológicas. Questionada à época sobre os óbitos, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) informou à DPRJ que no momento não havia planejamento específico em relação a um atendimento de Saúde eficaz para a redução da mortalidade, e que a pasta não tem acesso ao conhecimento das causas das mortes porque “as notificações chegam como doenças não sendo as mesmas especificadas”, relatou a CIDH na decisão.

“A continuidade das fontes de risco assinaladas e suas dimensões, todavia são suscetíveis de impactar negativamente nos direitos dos beneficiários propostos (os presos) a qualquer momento, seja por meio da propagação de doenças ou como consequência inerente aos índices de superlotação e condições de detenção descritas. No que se refere ao requisito de irreparabilidade, a Comissão entende que a possível afetação ao direito à vida, à integridade pessoal e à saúde constituem a máxima situação de irreparabilidade”, informou a CIDH na decisão.

Vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a CIDH promove a observância e a defesa dos direitos humanos nas Américas e, entre outras funções, recebe, analisa e investiga petições em que violações de direitos humanos são apontadas a Estados que ratificaram ou não a Convenção Americana. Sua atuação pode acarretar em prejuízos na política internacional pátria que, em caso de condenação do Brasil, pode gerar, em último grau, sanções internacionais de várias formas, inclusive com reflexos no acesso a mecanismos internacionais de financiamento.

Texto: Bruno Cunha



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