Iniciativa da Defensoria Pública do Rio é realizada em parceria com
a Superintendência de Saúde Mental do Município, com o
Consórcio Internorte e com organizações
da sociedade civil

 

As limitações encontradas na cidade por idosos e pessoas com deficiência têm incidência ainda maior em casos de transtorno ou sofrimento mental conforme relatado, na quarta-feira (18), em relação ao transporte rodoviário. Em nova edição de projeto sobre o assunto da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), motoristas da Viação Redentor receberam capacitação para melhor acolher e apoiar passageiros nessas condições que, entre outros problemas, sofrem com as paradas fora do ponto e com atitudes de desrespeito no interior do veículo em toda a rede rodoviária. A iniciativa inicialmente voltada às linhas municipais que circulam em locais onde há maior concentração de serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como no Méier e no Engenho de Dentro, será expandida para todo o Município em 2020.

Realizada em parceria com a Superintendência de Saúde Mental do Município (SSM/SMS-Rio) e com organizações da sociedade civil, a iniciativa também conta com a participação do Consórcio Internorte (porque dele fazem parte linhas onde há grande quantidade de usuários com transtorno ou sofrimento mental e porque passam por várias unidades de saúde mental) e das próprias empresas. Em capacitação construída conjuntamente pelos participantes, são realizadas atividades com os motoristas visando a sensibilização referente às limitações e às barreiras enfrentadas por idosos e pessoas com qualquer tipo de deficiência. Há palestras e dinâmicas de grupo na programação como a realizada em ônibus cedido especialmente para isso. Com os olhos vendados ou os braços imobilizados (há medicamentos que comprometem as condições motoras das pessoas com transtorno mental), os condutores são colocados na posição do usuário para que compreendam como se sentem, por exemplo, em caso de arranque brusco com o veículo sem que ainda estejam acomodados.

– Tenho uma irmã com esquizofrenia e, aos 62 anos, ela fica muito apreensiva quando o motorista para fora do ponto. Sempre acompanhada na rua, ela se sente perdida mesmo quando o sinal é tocado no momento certo, e isso provoca grande angústia e a deixa bastante nervosa – relata Clara Elaine Leal, da Associação dos Usuários, Familiares e Amigos do CAPS Clarice Lispector e também do Círculo de Familiares Parceiros do Cuidado (ACFPC). “Que vocês se tornem multiplicadores dos conhecimentos adquiridos nessa capacitação. E tenham a certeza de que também seremos multiplicadores das demandas trazidas no encontro”, disse aos motoristas.

Mãe de um menino de oito anos com autismo, Iolanda Machado conta que o filho chegou a cair certa vez no ônibus por causa de uma arrancada brusca. Ele mesmo reclamou com o motorista.

– Os problemas do transporte rodoviário a gente identifica no ponto, e um deles é o motorista que passa direto, evitando o embarque. Com a demora para embarcar e seguir viagem, meu filho fica muito angustiado. Já tomei ciência de casos de pessoas com transtorno ou sofrimento mental que, por sua condição, foram impedidas de entrar no coletivo – ressalta Iolanda, também presente na capacitação.

Projeto piloto foi iniciado em maio

O projeto piloto implementado em maio na Rodoviária A. Matias também esteve nas empresas Viação Alpha; Viação Estrela; e Viação Nossa Senhoras das Graças sensibilizando motoristas das linhas 249 (Água Santa x Carioca); 238 (Água Santa x Castelo); 239 (Água Santa x Castelo – circular); 607 (Cascadura x Estácio); e 652 (Cascadura x Méier). Já na Viação Redentor a iniciativa foi realizada para os motoristas das linhas 691 (Méier x Taquara) e 693 (Méier x Alvorada). Todas as linhas circulam no entorno do Méier e do Engenho de Dentro porque no local está localizado o Instituto Municipal Nise da Silveira; dois Centros de Atenção Psicossocial – CAPS (um adulto e outro infanto-juvenil); além de unidades de Atenção Básica.

– O motorista é fundamental na vida dessas pessoas porque sem transporte não se consegue exercer direitos básicos como, por exemplo, a Saúde e a Educação. Precisamos mostrar para as pessoas como tratar um deficiente e essa é uma orientação para o dia a dia, mas não é uma tarefa tão simples assim. Isso também passa por uma conscientização por parte de todos, em relação a mais informação, sobre como tratar uma pessoa com deficiência. A sociedade tem a responsabilidade de tornar o ambiente mais inclusivo e de eliminar as barreiras, inclusive as de comportamento – destaca o defensor público Valmery Jardim Guimarães, atuante no Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência da Defensoria (Nuped) e do Núcleo de Atendimento à Pessoas Idosa (Neapi).

Atuante no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria (Nudedh), a defensora pública Gislaine Kepe lembra que o projeto nasceu a partir das reclamações de familiares das pessoas com transtorno mental em relação ao tratamento a elas conferido nos ônibus.

– As reclamações carregavam tristeza e impotência em suas falas. Decidimos, então, conversar com aqueles que poderiam nos ajudar a mudar essa realidade e o projeto nasceu. Hoje temos conhecimento da melhora de atendimento nas linhas que circundam a região do Méier e do Engenho Novo e, o que é mais importante, uma das empresas de ônibus já visitadas tomou a iniciativa de ir até um CAPS, por onde passa uma de suas linhas, para conhecer melhor sobre a Saúde Mental. Essa empresa firmou parceria e emprestou um ônibus à equipe para passeios com os usuários. O primeiro passeio foi realizado em dezembro – observa a defensora.

Para a assessora técnica da Superintendência de Saúde Mental do Município (SSM/SMS-RJ), Raquel Cruz da Silva, “a saúde mental é a exclusão da exclusão em relação às deficiências”. Ela destaca a importância de trabalhar com os motoristas três pontos essenciais para os usuários: o estigma, o preconceito e a discriminação.

– São os três aspectos que fazem com que os usuários percam seus direitos, deixando a Saúde mental apartada da sociedade. A ideia de sensibilizar os motoristas vem muito no sentido de mostrar que o acolhimento, o respeito e o apoio são o caminho e contribuem para a reabilitação psicossocial – observa.

Iniciativa é realizada em três etapas

Com a adesão das empresas de ônibus, a sensibilização acontece em três etapas. Na primeira delas é realizada uma visita institucional na empresa com o objetivo de conhecer a rotina de trabalho, o espaço físico e necessidades específicas. Em seguida, há a capacitação dos funcionários atuantes no setor de Recursos Humanos para que sejam multiplicadores do conhecimento adquirido em outras oportunidades. Por último, é feita a sensibilização dos motoristas.

– Diariamente encontro pessoas com deficiência na rua e ontem mesmo embarquei dois cadeirantes na mesma viagem. Com maior mobilidade, um se acomodou no banco e o outro ocupou o espaço reservado às pessoas com deficiência. É muito importante o acolhimento – disse o motorista Alex Edilio Brandão, de 30 anos.

Irmão de uma pessoa com deficiência usuária de cadeira de rodas, Roberto Milão conhece de perto as dificuldades enfrentadas nas ruas pelas pessoas nessas condições.

– Sempre procuro dar todo o suporte possível porque vejo como eles enfrentam barreiras. Há pouco tempo um deficiente visual embarcou no ônibus. Puxei o freio de mão e o ajudei a descer – contou o jovem, de 25 anos.

– Precisamos receber as pessoas bem e acolhe-las, o que é muito importante – disse o motorista Marcos Alves, também de 25 anos.

Texto e fotos: Bruno Cunha

 

Projeto Piloto realizou nova edição, na quarta-feira (18), para
motoristas da Viação Redentor

 

Iniciativa ressalta a importância do acolhimento e do apoio, às
pessoas com deficiência, no transporte público

 

Palestras e dinâmicas de grupo fazem parte da capacitação

 



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