O DEFENSOR PÚBLICO GERAL DO ESTADO, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 8°, inciso IV, da Lei Complementar Estadual n° 06/77 e art.100 da Lei Complementar n° 80/94,

 

CONSIDERANDO QUE:

 

- O direito fundamental à saúde, previsto nos arts. 6º, 196 e segs. da Constituição Federal, art. 2º da Lei nº 8.080/1990 e em diversos diplomas de direito internacional dos quais o Brasil é signatário (Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948 – art. XXV, item 01; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 – art. 12; Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989 – art. 3, item 03; e Declaração de Alma-Ata, dentre outros), constitui direito humano primordial, verdadeira liberdade real ou concreta, e impõe ao Estado uma prestação positiva, consistente em um facere;

- esta prestação positiva é um dever primário que deve ser cumprido, de forma solidária e integrada, por todos os entes federativos;

- o serviço de assistência à saúde, como dever correlato ao direito constitucional à vida (art. 5º, caput, da CRFB/1988) e ao primado da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB/1988), deve ser prestado com a máxima eficiência (art. 37 da CRFB/1988) e a máxima efetividade possível (art. 5º, §1º, da CRFB/1988);

- o acesso aos serviços e ações do Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser integral, universal e igualitário (arts. 196, 197 e 198 da CRFB/88 e art. 7º da Lei nº 8.080/90);

- as históricas desigualdades entre homens e mulheres impactam fortemente nas condições de saúde destas últimas, de modo que as questões de gênero devem ser consideradas na formulação, execução e monitoramento das políticas públicas;

- a mortalidade materna é uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres, por ser uma tragédia evitável em aproximadamente 90% dos casos e por ocorrer principalmente em países em desenvolvimento, denotando a baixa qualidade da atenção obstétrica e do planejamento reprodutivo oferecido às mulheres brasileiras;

- a proporção de óbitos maternos de mulheres pretas e pardas responde por cerca de mais da metade dos óbitos maternos;

- os dados e indicadores acima apontados revelam que o fenômeno do racismo institucional, independentemente de qualquer outra variável, mantém meninas e mulheres negras em situação de desproteção no sistema único de saúde, seja com menor acesso a direitos e serviços de saúde ou com acesso de menor qualidade, o que perpetua a condição estruturante de desigualdade na qual este grupo está inserido em nossa sociedade;

- a Portaria do Ministério da Saúde n.º 992 de 13 de maio de 2009, que institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, reconhece o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde; e que esta mesma normativa embasa ações estratégicas dirigidas a superar a iniquidade racial, focadas em determinados indivíduos e grupos populacionais;

- o Comitê CEDAW (Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU), no caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira vs. Brazil, recomendou ao Estado brasileiro: (a) garantir o direito da mulher a uma maternidade segura e o acesso de valor razoável ao serviço de emergência obstétrica adequada, em conformidade com o disposto na Recomendação Geral nº 24 (1999) sobre mulheres e saúde; (b) prover treinamento técnico adequado aos profissionais da saúde, especialmente sobre o direito à saúde reprodutiva da mulher, inclusive ao tratamento médico de qualidade durante a gravidez e parto, bem como à assistência emergencial obstétrica oportuna; (c) garantir o acesso aos recursos efetivos nos casos em que os direitos à saúde reprodutiva da mulher tenham sido violados e dispor de treinamento para membros do judiciário e para operadores do direito; (d) garantir que instituições de saúde privadas cumpram com os padrões nacionais e internacionais relevantes sobre assistência à saúde reprodutiva; (e) Garantir que sanções adequadas sejam impostas aos profissionais da saúde que violam o direito à saúde reprodutiva das mulheres; e (f) Reduzir a mortalidade materna evitável por meio da implementação do Pacto Nacional para a Redução da Mortalidade Materna nos âmbitos municipais e estaduais, inclusive estabelecendo comitês de mortalidade materna onde estas não existam, em consonância com as observações finais feitas ao Brasil em 15 de agosto de 2007 (CEDAW/C/BRA/CO/6);

- as afecções perinatais são a principal causa dos óbitos no 1° ano de vida, e os inúmeros registros relativos à inadequação do modelo de atenção pré-natal ao parto e ao nascimento, e a importância da qualidade da ambiência na unidade neonatal e manuseio refinado das crianças, e especialmente do recém- nascido pré-termo e de baixo peso;

- a Organização Mundial da Saúde (OMS), declara que toda mulher tem direito ao melhor padrão atingível de saúde, o qual inclui o direito a um cuidado de saúde digno e respeitoso, devendo ser assegurado o acesso universal aos cuidados em saúde sexual e reprodutiva de forma segura, aceitável e de boa qualidade, especialmente o acesso aos métodos contraceptivos e aos cuidados em saúde materna, a fim de reduzir as taxas globais de morbidade e mortalidade materna[1];

- a Nota Técnica n.º 01/2016/MDS/M Saúde: “Diretrizes, Fluxo e Fluxograma para a atenção integral às mulheres e adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de álcool e/ou crack/outras drogas e seus filhos recém-nascidos”, e a participação da CDEDICA e COINFANCIA no Fórum Maternidades, com o acompanhamento de diversassituações de separação dos bebês de suas mães e famílias extensas quando provenientes de gestação de pacientes em uso prejudicial de substâncias psicoativas, bem como as que se encontram em situação de rua, com o objetivo de estabelecer com as Maternidades fluxos corretos de encaminhamento para evitar essa separação e o acolhimento indevido dos bebês, que viola o Direito à Convivência Familiar e Comunitária.

- para assegurá-lo, foram instituídas, no âmbito do SUS, políticas nacionais de fortalecimento das ações de atenção à saúde da mulher, destacando-se a rede de atenção à saúde materna e infantil, para assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis;

- infelizmente, as políticas postas nacional e internacionalmente não surtiram todos os efeitos almejados, e as persistentes deficiências e insuficiências na atenção à saúde materna e infantil foram agravadas pela pandemia da COVID-19;

- segundo             dados            oficiais             do            Ministério            da             Saúde (https://sistemas.saude.rj.gov.br/tabnetbd/dhx.exe?taxas/sim_sinasc_razao_mortalidade_materna.def),  a razão de mortalidade materna no Estado do Rio de Janeiro mais que dobrou de 2016 para 2021, passando de 71,2 para 161;

- ainda segundo dados e estudos científicos, a cada 10 mortes maternas por COVID-19 no mundo, 8 ocorreram no Brasil e que o risco de óbito é 17 (dezessete) vezes maior na população obstétrica com COVID- 19;

- conforme o Boletim Observatório COVID-19 da Fiocruz, divulgado em maio de 2021: “A pandemia de Covid-19 vem afetando toda a sociedade, mas é inegável que ... as gestantes e puérperas têm despontado como grupo de grande preocupação e o impacto da Covid-19 vem se somar a uma situação já trágica em nosso país, elevando a morte materna a níveis extraordinariamente elevados”, o que foi denunciado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual intimou o Governo Brasileiro para manifestação;

- à Defensoria Pública, como expressão e instrumento do regime democrático, compete promover, fomentar e exigir a implantação e concretização das políticas públicas instituídas pelo Estado em consonância com os sistemas internacional e nacional de defesa dos direitos humanos, com foco na redução da mortalidade materna, neonatal e infantil;

- a criação de comissões ou grupos de trabalho entre Defensores Públicos possibilita a conjugação de esforços, a articulação de ideias e aproveita as experiências, conhecimentos e habilidades de cada membro da instituição, conferindo maior eficiência, qualidade e legitimidade às medidas e ações adotadas;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º. Criar, no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a A COMISSÃO DE GARANTIA DA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DE MENINAS E MULHERES (CGAISM).

 

Art. 2º -  A COMISSÃO DE GARANTIA DA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DE MENINAS E MULHERES (CGAISM) será composta pela(o):

I - Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva (COSAU);

II - Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher (COMULHER);

III - Coordenação de Promoção de Equidade Racial (COOPERA);

IV -  Coordenação de Infância e Juventude (COINFÂNCIA);

V –  Núcleo de Fazenda Pública e Tutela Coletiva da Comarca da Capita - NUFAZ;

VI – Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher e de Vítimas de Violência – NUDEM;

VII  – Núcleo Contra a Desigualdade Racial - NUCORA;

VIII - Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - CDEDICA.

§1º - As(os) representantes dos órgãos de execução mencionados nos incisos V, VI, VII e VIII serão indicados pelas(os) Coordenadoras(es) dos respectivos órgãos.

§ 2º - Poderão participar voluntariamente defensoras(es) públicas(os) com atribuição individual ou coletiva na matéria que se inscreverem por edital como membros colaboradores da Comissão. 

§3º - Participarão, em caráter consultivo, um(a) representante e um(a) suplente do Comitê de Monitoramento de Políticas Institucionais de Promoção de Equidade Racial.

 

Art. 3º - A CGAISM  tem por objetivo  cooperação técnica e a articulação entre os órgãos acima elencados para o desenvolvimento, em conjunto, de ações, integradas e coordenadas, que visem garantir:

I -  acesso igualitário às políticas de atenção integral à saúde e tratamento humanizado de meninas e mulheres, independentemente de sua raça/cor;

II – direito à saúde sexual e reprodutiva e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério;

III – redução das desigualdades étnico-raciais e o combate ao racismo e discriminação nas instituições e serviços de saúde e assistência-social;

IV – o direito da criança ao nascimento seguro, com atenção neonatal e cuidado integral.

 

Art. 4º - A  CGAISM se reuniirá periodicamente para deliberar sobre de ações integradas e coordenadas nas áreas mencionadas no artigo 3o, dentre as quais:

I –  definir seu plano de trabalho estratégico, sistematizando e organizando para garantir os direitos mencionadaos no artigo 3º;

II - organizar reuniões periódicas, audiências públicas, palestras, seminários e outras atividades de promoção e difusão de direitos relacionados com o tema objeto dos trabalhos da Comissão;

III  – promover atividades de formação e capacitação dos profissionais da Defensoria Pública no tema do racismo e saúde da população negra, assim como no tema do combate às discriminações de gênero e orientação sexual e suas interseções com as variáveis de raça e etnia;

IV – apoiar os órgãos de execução na adoção de medidas judiciais e extrajudiciais, precipuamente de caráter coletivo, inclusive quanto ao monitoramento do cumprimento das normas de proteção e defesa da saúde materno infantil e combate à mortalidade materna e  neonatal;

V – acompanhar as atividades e articular-se com os Comitês Estadual e Municipais de Mortalidade Materna para a promoção de ações de combate à mortalidade materna e neonatal, em especial de meninas e mulheres negras, privadas de liberdade ou em situação de vulnerabilidade;

VI – participar e articular com Grupos de Trabalho e Fóruns com temáticas afetas a saúde de meninas e mulheres que desenvolvem ações voltadas a atenção integral a saúde, psicossocial e assistencial;

VII – promover a articulação entre os órgãos, instituições, entes públicos, programas e serviços  destinados ao enfrentamento da mortalidade materna e neonatal.

 

Art. 5º - Os casos omissos serão decididos pela(o) Defensora(sor) Pública(o)- Geral do Estado do Rio de Janeiro.

 

Art. 6º - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

 

 

RODRIGO BAPTISTA PACHECO

Defensor Público-Geral do Estado



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