Quando Seu Luiz Carlos fecha os olhos e canta os primeiros versos de uma música com seus amigos do “Coral do Rico”, é quase como se ele pudesse esquecer a dura realidade em que vive. Desempregado e em situação de rua há mais de 5 anos, o ex-eletricista vaga de marquise em marquise pelas ruas do centro do Rio de Janeiro à espera de dias melhores. 

— Eu estou nessa situação já tem um tempo, mas se deus quiser as coisas vão melhorar. A gente acaba se sentindo muito abandonado, com medo de falar com as pessoas e pedir as coisas, mas se a gente não fizer isso, não tem nem o que comer — relata.

Sem perspectiva de mudança, Seu Luiz faz parte das mais de 10 mil pessoas que vivem desabrigadas nas ruas cariocas, segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da UFMG. Para o eletricista, algo simples como caminhar pela cidade, é motivo de vergonha e medo do tratamento que pode vir a receber. 

— Meu sonho é conseguir voltar a trabalhar e alugar um cantinho para eu ficar e reconstruir minha vida. Na rua a gente acaba ficando muito exposto a tudo — conta. 

Relatos como esse e de tantas outras pessoas na mesma situação são cuidadosamente ouvidos e acolhidos durante as incursões da “Ronda DH: Humanizar a Rua”, programa da Defensoria Pública do Rio que percorre os locais da cidade onde há maior concentração desse público para oferecer assistência a esta população tão vulnerável.

Nas visitas, as equipes escutam as demandas, oferecem orientação e atendimento jurídico como retirada de segunda via de documentos, encaminhamentos para os serviços de assistência social e de saúde.

Durante o atendimento, também é preenchido um formulário cujo objetivo fundamental é identificar e mapear quem são as pessoas em situação de rua e hipervulnerabilidade sujeitas a violações de seus direitos e violências, por vezes de agentes públicos.

Para a defensora pública responsável pelo Projeto, Cristiane Xavier, a Ronda DH leva o atendimento humanizado do defensor público e equipe para a escuta ativa e empática nas ruas.

— Esse programa permite ir ao cenário e identificar os gargalos da ausência das políticas públicas no atendimento dessa população que vive à margem dos serviços e projetos dos entes federativos.  A  Ronda DH legitima as ações do Núcleo dos Direito Humanos e é referência representativa desses cidadãos  que buscam o reconhecimento de seus direitos e dignidade — explica a defensora.


Defensoria na Luta pelas pessoas em situação de Rua

Além da Ronda, a DPRJ também realiza parcerias com a Justiça Federal em ações solidárias para viabilizar o amplo acesso dessas pessoas a todos os serviços estaduais e federais. A Instituição também está buscando novos projetos para inserir esses cidadãos em outras atividades sociais e de qualificação profissional.

— O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, cuja atuação é concentrada na capital, também quer somar forças com seus oito Núcleos Regionais de Tutela Coletiva, para articulação, monitoramento e cobrança de políticas públicas que contemplem pessoas em situação de rua não só no Rio, mas nos 91 municípios fluminenses — completa Xavier.


Agente de Mudança

Mesmo com todas as dificuldades, Eric Junior é um exemplo de resiliência e superação. Acolhido em uma das primeiras rondas realizadas pela equipe da Defensoria, hoje ele tem a vida bem diferente de quando realizou o primeiro atendimento na Instituição, em outubro de 2021. 

Após um ofício expedido pela DPRJ, Eric conseguiu, depois de muito tempo, uma vaga em um dos Lares de Acolhimento da cidade. Para ele, estar fora das ruas foi decisivo para conseguir recomeçar e ir em busca do tão sonhado emprego. Hoje, Eric comemora com muito orgulho um lugar próprio para morar com seus bichinhos de estimação. 

— Não tem nada melhor do que a sensação de voltar para casa. Só quem viveu nas ruas sabe o quanto é ruim. Eu guardo até hoje aquele primeiro ofício que vocês me deram que é para eu nunca esquecer como vocês me ajudaram — relata.

Empregado e com seu novo lar, Eric se dedica a ajudar aqueles que ainda se encontram na situação em que eles já esteve. 

— Praticamente todo tempo livre que eu tenho, eu me dedico a ajudar os outros, eu estou sempre recolhendo cestas básicas para distribuir por onde eu ficava — conta.

Texto: Jéssica Leal



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