Uma. Esse é o número de ambulâncias disponibilizadas pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) para atender a 43.801 detentas e detentos, na capital e no interior do Rio de Janeiro. A falta de veículos para o socorro de pessoas presas, em risco de morte ou em sofrimento intenso, fez com que menos de 20% dessa população conseguisse atendimento médico adequado na rede de saúde pública extramuros, desde o início de 2022.
Os dados fazem parte do Relatório de Análise Técnica elaborado pela coordenação de Saúde da Defensoria Pública do Rio e encaminhado pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) à Justiça, em 23 de maio, com pedido de que o Estado seja obrigado a dispor de “seis ambulâncias com tripulação/equipe capacitada exclusivamente para o sistema prisional no município do Rio de Janeiro” e de “ambulâncias com equipe de saúde e escolta para atendimento exclusivo a cada uma das demais oito regiões do Estado servidas por unidades prisionais”.
De acordo com o Relatório, o Pronto Socorro Geral Dr. Hamilton Agostinho Vieira Castro, base da única ambulância da SEAP, em Gericinó, registrou, de março a dezembro de 2022, “459 demandas autorizadas de ‘vaga zero’ (emergência); contudo, apenas 80 desses pacientes foram efetivamente transferidos”. Ainda de acordo com o levantamento, esse número representa pouco mais de 17% do total de vagas autorizadas pelas unidades de saúde.
De dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, a situação das presas e presos atendidos pelo pronto socorro da SEAP era ainda mais crítica, visto que o Setor de Operações Especiais (SOE) realizou apenas de 4% a 7,3% das transferências para unidades de saúde extramuros, com média de 6,5% no período.
A precariedade do transporte sanitário da população privada de liberdade no Estado do Rio de Janeiro é objeto de duas Ações Civis Públicas de autoria da Defensoria e do Ministério Público, iniciadas em 2014. Os dois processos foram reunidos e tramitam na 8ª Vara de Fazenda Pública, ainda sem decisão. Ao juntar o Relatório de Análise Técnica e protocolar o pedido relativo às ambulâncias, o Nudedh requereu ainda o julgamento, com deferimento de tutela antecipada, das ACPs.
Falta de escolta
“A insuficiência de ambulância é manifesta! Há quase dez anos, quando essas duas ACPs foram ajuizadas e a população carcerária era menor do que a atual, havia nove ambulâncias à disposição da SEAP”, ressalta a petição assinada pelo coordenador do Nudedh, André Castro.
O texto ressalta também que uma única ambulância “definitivamente não é compatível com as normativas que regem a operacionalização do SUS, a quantidade de unidades penitenciárias geridas pelo Estado e o expressivo número de pessoas privadas de liberdade”, ferindo também a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP).
A petição destaca ainda que, por vezes, quando se consegue a ambulância para atender a pessoa presa, falta escolta da SEAP, inviabilizando o atendimento de saúde, mesmo em situações de urgência e emergência, denominadas vaga zero. “As transferências precisam ser conduzidas com escolta do Setor de Operações Especiais (SOE), que hoje nos apresenta como justificativa o não cumprimento da demanda solicitada por falta de efetivo”.
Há registros de situação em que “toda a equipe de saúde (ambulância, enfermeiro, técnico de enfermagem e médico) estava no aguardo e em condições de realizar a saída”, e a transferência do detento não foi possível por indisponibilidade de escolta.
O Relatório de Análise Técnica foi produzido com base em documentos que integram as ACPs, inclusive fornecidos pelo Estado, além de laudos resultantes de vistorias da Coordenação de Saúde da Defensoria no Pronto Socorro Geral Dr. Hamilton Agostinho Vieira Castro e no Hospital Penal Psiquiátrico Roberto Medeiros, também em Gericinó, no ano passado.
A defensora pública, coordenadora de Saúde da Defensoria do Rio, Thaísa Guerreiro, destaca que é preciso compreender que esse serviço de transporte possui natureza qualificada, por configurar instrumento de acesso e de concretização dos direitos fundamentais à saúde e à vida digna.
- São pessoas em situação de hipervulnerabilidade, decorrente das comprovadas maiores taxas de morbidade e de mortalidade, agravadas pelo isolamento, pela superlotação e pelas péssimas condições do cárcere. Muito se avançou, nos últimos anos, com a implantação das equipes de atenção à saúde básica nas unidades penais, mas ainda é grande a insuficiência de transporte com escolta própria para a realização dos atendimentos de média e alta complexidade — ressalta a coordenadora.
Texto: Valéria Rodrigues