Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi aplicado em sentenças favoráveis à estrangeira que não fala português, vítima de assédio processual em Paraty

 

A Defensoria Pública do Rio obteve dupla vitória num caso de assédio processual em Paraty, na Costa Verde.  As decisões se basearam no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta magistradas e magistrados a utilizarem “a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade”. 


As ações criminal e cível foram ajuizadas por um advogado da cidade contra uma britânica que, considerando inadequado o comportamento do homem, desistiu de contratá-lo para processo de dissolução de união estável. Ele, então, ingressou nos Juizados Especiais contra ela. 


A queixa-crime, em que o autor alegava ter sido vítima de calúnia e difamação, foi arquivada em junho. O Juizado Especial Adjunto Criminal de Paraty considerou “assimetria de gênero na relação entre as partes”, acentuada pelo fato de a ré “ser inglesa e não ter o domínio da língua portuguesa”.  


A sentença destaca que foi acolhido “o pleito da defesa sob uma perspectiva de gênero, para a redução da desigualdade existente em nossa sociedade”.  A Defensoria alegou, em favor da mulher, que “os fatos narrados na inicial não constituem qualquer delito. Tratou-se, unicamente, da tentativa da querelada - que sequer se comunica com habilidade na língua portuguesa - de dizer que deseja se libertar de uma relação abusiva”.


Na ação indenizatória ingressada pelo advogado junto ao Juizado Especial Adjunto Cível de Paraty, a Defensoria conseguiu reverter o pedido, garantindo que o autor pague à britânica R$ 12 mil a título de danos morais, conforme decisão homologada também em junho.


Perseguição e constrangimento


A defensora Renata Jardim da Cunha Rieger, que atuou nos dois processos, salienta:


— No caso em questão, houve claramente perseguição, intimidação e constrangimento impostos à vítima que, embora não seja vulnerável financeiramente, é mulher e não fala nosso idioma, o que configura outras vulnerabilidades.  Trata-se de assédio processual, numa situação em que cabe perfeitamente o que preconiza o CNJ. 


O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero é, segundo definição do CNJ, “um guia para que os julgamentos que ocorrem nos diversos âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos.”


A subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, defensora pública Matilde Alonso, reitera a relevância da perspectiva de gênero ser considerada nas decisões judiciais:


— É essencial que magistradas e magistrados estejam atentos à presença de estereótipos e adotem uma postura ativa em sua desconstrução. O Protocolo é um excelente guia nesse sentido, devendo ser utilizado por todas e todos operadoras e operadores do direito. 

Nos dois processos, a Defensoria solicitou apoio de intérprete inglês-português e assistência consular. A mulher havia procurado o advogado para ingressar com ação de dissolução de união estável firmada em território brasileiro.


Texto: Valéria Rodrigues



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