Reconhecimento de pessoas com base unicamente em fotos ainda é a realidade na maioria dos casos analisados pela DPRJ.



Passado mais de um ano da Resolução n° 484 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece parâmetros para o reconhecimento de pessoas a fim de evitar prisão de inocentes, pouca coisa mudou nas delegacias de polícia. De acordo com um relatório inédito realizado pela Defensoria do Rio, dos 109 inquéritos policiais analisados, de dezembro de 2022 a junho de 2023, o reconhecimento com base unicamente em fotos foi utilizado em mais de 80% dos casos.

Segundo a DPRJ, não foi encontrado nos inquéritos nenhum documento ou registro que refletisse o conhecimento e a observância da Resolução n. 484 do CNJ, com vítimas e testemunhas realizando reconhecimentos com base em fotografias, muitas vezes extraídas de álbuns de suspeitos e redes sociais, ou apresentadas de forma individual, a partir do registro de que aquela pessoa teria realizado crimes de forma semelhante nas redondezas.

— A proposta do relatório foi identificar em que medida as mudanças de entendimento sobre o tema impactaram a realidade nas delegacias de polícia e nos processos judiciais, marcada por reconhecimentos realizados por meio de fotos exibidas de forma individualizada, por vezes extraídas do sistema de identificação da polícia ou de redes sociais, porém pouca coisa mudou — explica Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ.

Para a coordenadora de Defesa Criminal da Instituição, Lucia Helena de Oliveira, o relatório também evidencia que a maioria das pessoas reconhecidas dentro deste modelo são negras ou pardas, o que demonstra que há, de fato, uma questão racial envolvendo a temática. 

— A resolução ajuda a diminuir as injustiças, condenações por erro, especialmente quando falamos sobre a redução da seletividade penal, que atinge em grande maioria inocentes jovens, negros e periféricos. Sabemos como é falho o reconhecimento por fotos, pois vivenciamos e presenciamos diversas situações injustas, sendo, deste modo, necessário cuidado na produção de provas, sob pena de ofensas irreparáveis às garantias constitucionais da pessoa — ressalta Oliveira.

Neste sentido, a subcoordenadora de Defesa Criminal, Isabel Schprejer reforça que é essencial o monitoramento da resolução, para que seja possível verificar o seu cumprimento e a sua efetividade. 

— Essa pesquisa nos mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas estamos confiantes de que os atores do sistema de Justiça cada vez mais se conscientizarão sobre as injustiças geradas por procedimentos de reconhecimento enviesados e que não estejam de acordo com a lei e a Resolução do CNJ — reforça Schprejer.


Entenda a resolução

Aprovada pelo CNJ em dezembro de 2022, a resolução n° 484 foi fruto de um Grupo de Trabalho coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogério Schietti Cruz. O GT contou com a participação de 41 especialistas no tema, entre eles, quatro defensoras e defensores públicos do Rio de Janeiro.

Entre os principais aspectos da resolução, destacam-se a delimitação do reconhecimento de possíveis suspeitos “como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de quatro pessoas e, em caso de impossibilidade, pela apresentação de quatro fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal”. A norma também prevê que, na impossibilidade de realização do reconhecimento conforme esses parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.

Além disso, todo o procedimento de reconhecimento deve ser gravado e disponibilizado às partes, havendo solicitação. Também é necessária a investigação prévia para colheita de indícios de participação da pessoa investigada no delito antes de submetê-la a procedimento de reconhecimento e, ainda, a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos investigados ou processados, a fim de permitir à autoridade policial e ao juiz a adequada valoração da prova, considerando o efeito racial cruzado.

Texto: Jéssica Leal



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