Seminário Acesso à Justiça para Mulheres Negras
Seminário debate acesso à justiça e política do cuidado no Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) realizou um seminário voltado ao debate sobre o acesso à justiça sob a ótica de gênero e raça, com ênfase nas políticas do cuidado. A programação destacou a longa trajetória de atendimento a mulheres, especialmente negras, e celebrou a data que homenageia Tereza de Benguela, histórica líder quilombola do século XVIII.
— A importância de um evento como este, justamente no Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, está em reconhecer o papel da Defensoria Pública como instituição que atende mulheres negras, indígenas, quilombolas, ciganas que buscam o acesso à justiça. Fortalecer esse diálogo de fora para dentro e de dentro para fora é também um processo de promoção de saúde mental — afirmou a Ouvidora-Geral da DPRJ, Fabiana Silva.
No Brasil, as mulheres negras enfrentam desafios estruturais em áreas como o mercado de trabalho, educação, renda e segurança. Sub-representadas em cargos de liderança, lidam com a informalidade, a falta de oportunidades e altos índices de violência doméstica. O seminário reuniu figuras femininas de diversos estados com o objetivo de refletir sobre uma sociedade ainda marcada pelo racismo e pela misoginia, ao mesmo tempo em que celebrou conquistas nacionais, estaduais e acadêmicas, com destaque para a atuação daquelas que são pioneiras em suas áreas.
— Temos o protocolo do Conselho Nacional de Justiça, que reconhece que o valor maior da Constituição é o princípio da dignidade humana, princípio este que não é respeitado quando a pessoa humana é preta. Quando vemos que nosso país ainda aceita trabalho análogo à escravidão, quando pessoas pretas dentro do sistema prisional são obrigadas a aceitar tratamento desumano, isso é aceitar que o valor maior da Constituição não é obedecido. Com isso, cabe a mim, enquanto Defensora Pública, lutar pelos direitos dos mais vulneráveis — afirmou Luciana da Mota, Coordenadora do NUCORA.
Durante o encontro, a juíza Karen Luise Vilanova, da 1ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre, ressaltou os desafios e a importância de ocupar espaços de fala como mulher negra no sistema de justiça.
— As mulheres são minoria nos espaços onde as decisões são tomadas. Estar aqui é uma exceção que confirma a regra. Nenhuma de nós deve ser tratada como um exemplo isolado de superação. Estamos aqui porque tivemos oportunidades que a maioria das mulheres negras ainda não tem — afirmou a juíza.
Outro destaque do evento foi a fala de Mãe Nilce de Iansã, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e da Fundação Ilê Omolu, referência nacional na luta contra o racismo religioso e a violência de gênero. Reconhecida por sua atuação comunitária e pela defesa das tradições dos povos de terreiro, Mãe Nilce reforçou o papel central desses espaços no acolhimento e proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
— Os terreiros são fontes de comida comunitária, por exemplo. Estamos sempre com as portas abertas para acolher quem precisa. Mulheres que sofrem violência doméstica, que não têm onde morar, que são discriminadas por sua fé, nós nos organizamos para amparar essas pessoas. O terreiro representa essa unidade. Nós estamos juntas — completou Mãe Nilce de Iansã.
Cultura e reflexão marcam segundo bloco do seminário

O segundo bloco do seminário teve início com um poema cigano, que ressaltou a importância das mulheres da etnia, com apresentações de danças e vestimentas tradicionais. Em seguida, o painel “Acesso à justiça na perspectiva de raça e gênero” trouxe uma reflexão sobre o lugar da mulher preta magistrada no Judiciário: segundo o Censo do Poder Judiciário de 2023, de um total de cerca de 19 mil juízes no Brasil, apenas 131 são mulheres negras.
— Não precisamos reviver, continuamente, as mesmas violências que marcaram a fundação desta sociedade racista. Este é um espaço em que podemos falar e nomear nossos sofrimentos diários, atravessados pelo racismo, pelo patriarcado e, principalmente, pelas injustiças sociais. Este seminário mostra a potência do encontro entre mulheres negras e a urgência de nos aquilombarmos — afirmou Rachel Gouveia, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Texto: Leonardo Fernandes, Rafaela Jordão e Melissa Rachel Cannabrava.
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