“Cuidado em Rede: conectando trabalhadores para atuar na atenção a pessoas afetadas pela violência de Estado” busca fortalecer a atuação de profissionais de saúde

Na manhã desta quinta-feira (07), o auditório da sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) se transformou em um espaço de escuta, troca e formação. Teve início o curso “Cuidado em Rede: conectando trabalhadores para atuar na atenção a pessoas afetadas pela violência de Estado”, que visa fortalecer a atuação de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no cuidado psicossocial a familiares de vítimas da violência estatal. A ocasião marcou o início de um percurso de três meses dedicado à construção coletiva de estratégias e metodologias de acolhimento nos territórios mais impactados pela violência de Estado.

A mesa de abertura contou com a presença da Subdefensora Pública-Geral Institucional, Suyan Liberatori; da Ouvidora-Geral da DPRJ, Fabiana Silva; da Coordenadora do Núcleo de Atenção Psicossocial a Afetados pela Violência de Estado (Napave), Tania Kolker; do Secretário de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Tiago Santana da Conceição; e da pesquisadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, Natacha Neri. As autoridades e especialistas destacaram a urgência da construção de uma política pública estruturada de cuidado em rede.

Para a Ouvidora-Geral da DPRJ, Fabiana Silva, o curso nasce com um objetivo claro: cuidar de quem cuida.

— Estamos olhando para os profissionais que estão na linha de frente do acolhimento — assistentes sociais, psicólogos e trabalhadores da saúde e assistência. Essas pessoas, que recebem mães e familiares de vítimas, muitas vezes estão pouco preparadas para lidar com tamanha dor. E como cuidar sem também ser cuidado? — provocou a Ouvidora.

A formação é um desdobramento da RAAVE – Rede de Atenção a Vítimas da Violência de Estado, idealizada pela Ouvidoria da DPRJ em parceria com grupos clínicos de universidades públicas. Com mais de 260 inscritos, o curso foi desenhado especialmente para profissionais que atuam cotidianamente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e unidades básicas de saúde. A formação será realizada semanalmente, até outubro, com aulas presenciais às quintas-feiras.

Para Náthaly Santo, estagiária de Serviço Social na Ouvidoria da DPRJ, a realização do curso dentro da Instituição é emblemática:

— Ter essa formação acontecendo dentro da Defensoria Pública, que é a casa da cidadania, é essencial. Estamos oferecendo ferramentas para que esses profissionais enfrentem o medo, saibam como acolher uma mãe violentada, um adolescente impactado, e não reproduzam a lógica de exclusão que a violência de Estado já impôs — pontuou.
Durante a programação, familiares de vítimas da violência policial compartilharam suas vivências. Entre elas, a ex-vereadora e fundadora do Movimento Moleque, Monica Cunha, destacou a luta histórica dessas mulheres e o legado construído mesmo diante do luto imposto pelo Estado.

— O que o Estado não esperava era que, da nossa dor, surgissem mulheres advogadas, peritas, parlamentares. Nos chamavam de mães de bandidos, mas hoje estamos aqui para dizer que nossos filhos serão lembrados. E vamos continuar lutando para que nenhuma mãe preta tenha que enterrar seu filho — afirmou.

A Deputada Estadual e Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, Dani Monteiro, também presente, provocou reflexões sobre a origem estrutural da violência de Estado e a necessidade de repensar o papel das instituições de justiça.

— A violência estatal não é obra de um governo ou gestão, mas reflexo da própria formação do Estado brasileiro. O Poder Judiciário, por exemplo, nasceu para julgar negros escravizados. Enquanto não reconhecermos essa origem, seguiremos tratando os efeitos sem tocar nas raízes — declarou a Deputada.

Com uma abordagem transdisciplinar, o curso também abordará a saúde mental dos próprios profissionais, frequentemente sobrecarregados pelas demandas dos territórios. Para a Ouvidora Fabiana Silva, essa dimensão é essencial para romper ciclos de revitimização.

— Não existe cuidado verdadeiro com o outro sem que haja espaço para o autocuidado. Por isso, formar essa rede é também uma forma de fortalecer vínculos e construir novas formas de presença do Estado nos territórios — concluiu.
 

Texto: Melissa Cannabrava



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