Fórum Estadual de Revisão do PDNEVSCA

“Não falem de nós sem nós.” A frase que abriu o Fórum Estadual de Revisão do Plano Decenal Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, realizado nesta sexta-feira (17), na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), traduziu assertivamente o espírito do encontro: promover o diálogo direto entre sociedade civil, instituições públicas e os próprios adolescentes, protagonistas das políticas que os afetam.
O evento reuniu pesquisadores, conselheiros tutelares, representantes de órgãos públicos e organizações da sociedade civil para discutir estratégias de combate à violência sexual infantojuvenil, no marco da revisão do Plano Decenal – uma construção democrática e participativa coordenada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O encontro reforçou o papel da Defensoria como articuladora entre as redes de proteção e como promotora de políticas públicas pautadas em escuta ativa e empatia.
A Coordenadora da Infância e Juventude (Coinfância), Doutora Letícia Kirchhoff Ribeiro, destacou o papel da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e o compromisso institucional, que vai além da aplicação da lei:
– Nenhuma lei e nenhum plano será efetivo se não for gerado por uma escuta verdadeira das crianças e adolescentes. Eles precisam ser reconhecidos como protagonistas de suas próprias histórias – afirmou a Defensora Pública Letícia Kirchhoff.
Protagonismo juvenil
Como representante do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA), Pedro Henrique Pereira da Silva reforçou a necessidade de abrir espaço para que os jovens falem por si:
– Não falem de nós sem nós. É muito importante quando temos espaços como este, onde o adolescente é convidado para falar de si. O que acontece aqui reverbera diretamente na nossa vida – afirmou Pedro Henrique Pereira da Silva.
O jovem citou o emblemático caso de Araceli, menina de 8 anos que foi sequestrada, abusada e carbonizada, lembrando que a violência não é um tema distante:
– Nós associamos agressões dessa monta à televisão ou às séries, mas ela está aqui, entre nós. Atentem-se aos sinais: a inibição, a falta de vida, pois o corpo denuncia. Hoje, também precisamos nos atentar ao novo corpo do abuso: o corpo virtual. É a partir dessa reflexão que criamos o ECA Digital – finalizou o representante.
Chamado de ECA Digital (em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente), a legislação “aplica-se a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado a crianças e a adolescentes no país ou de acesso provável por eles, independentemente de sua localização, desenvolvimento, fabricação, oferta, comercialização e operação”, conforme aponta o artigo 1° da lei.
O desafio dos números
A dimensão do problema foi ressaltada pela Coordenadora do escritório do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF) no Rio de Janeiro, Flávia Antunes:
– Um total de 11.963. Esse é o número de crianças vítimas de violência sexual entre 2021 e 2023, segundo dados da Segurança Pública. São vidas dilaceradas. Falo em nome do UNICEF com um sentimento simples de responsabilidade, no marco da revisão desse plano tão importante – afirmou Flávia Antunes.
Reflexões e enfrentamento
Para Edson Campos Furtado, Coordenador técnico do Programa de Atenção à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência, os números da violência sexual escancaram estruturas históricas e sociais que ainda precisam ser superadas.
– Se usarmos como exemplo o dado de que 80% das vítimas de violência sexual são meninas, 52% são negras e 61% têm até 13 anos, o que isso mostra? Que temos regimes de verdade cristalizados, essa ideia de que o adulto pode fazer o que quiser com o corpo de uma criança, sobretudo se ela for uma menina negra. Tivemos 357 anos de escravidão, e até hoje sentimos esse efeito. Precisamos, como adultos, mudar isso – ressaltou o Coordenador Técnico.
A força da rede
O representante da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Victor Varela, destacou que o fórum simboliza um passo essencial na articulação de políticas públicas conjuntas.
– O que está sendo feito aqui hoje é uma revisão estadual do plano de enfrentamento à violência sexual. Buscamos, junto à sociedade civil e ao UNICEF, criar cursos dentro da Defensoria para o atendimento às vítimas. É uma tarefa contínua, que envolve articulação e prevenção. Este encontro é um desses marcos – afirmou Victor Varela.
Compromisso coletivo
A Assessora Jurídica da CETERJ, Aline Batista, ressaltou a relevância do encontro e da troca institucional:
– A CETERJ tem sido contínua em estar no combate a todos os tipos de exploração. Quando recebemos o convite para estar hoje na Defensoria, foi de muita valia. Estar aqui, enquanto conselheira tutelar, é muito construtivo – afirmou Aline Batista.
A Subcoordenadora do Coinfância, Clara Prazeres Luchese, e representantes do CEDCA-RJ, do Fórum DCA-RJ, e da 1ª Vara Especializada em Crimes contra Crianças e Adolescentes (VECA) também marcaram presença, reforçando a importância da integração entre as esferas do Judiciário, Executivo e sociedade civil para a efetividade das políticas de proteção.
A mensagem que norteou todo o encontro se manteve clara até o fim do evento: o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes exige mais que ações punitivas – requer escuta, empatia, formação e compromisso coletivo.
“Não falem de nós sem nós” é um chamado à responsabilidade compartilhada de toda a sociedade.
Texto: Leonardo Fernandes.
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