Órgãos da Defensoria alertaram que a proposta da Câmara contrariava direitos fundamentais e reforçava a violência institucional contra mulheres e meninas.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) emitiu a Recomendação Conjunta nº 1/2025, na qual pediu ao prefeito Eduardo Paes o veto integral ao Projeto de Lei que pretendia instituir a “Semana Municipal de Combate ao Aborto” no calendário oficial da cidade. O documento, assinado pelo Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM), pelo Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (CDEDICA) e pela Coordenação de Saúde (COSAU), apontou que a proposta aprovada pela Câmara Municipal representava um retrocesso na garantia de direitos fundamentais e fere compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

De acordo com a Defensoria, o projeto ultrapassava a competência municipal ao propor medidas relacionadas a temas de natureza nacional, como o direito à saúde e à autonomia reprodutiva. Além disso, violava o princípio da laicidade do Estado ao prever um debate sobre aborto conduzido por lideranças religiosas — o que, na avaliação dos Defensores Públicos, introduzia uma visão moral no campo das políticas públicas de saúde.

A DPRJ ressaltou que nenhuma norma municipal poderia criar barreiras, ainda que simbólicas ou psicológicas, ao acesso a serviços de saúde garantidos por lei, como o aborto nos casos de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia do feto — situações previstas pelo Código Penal e reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal. Ao pregar o “combate ao aborto”, o projeto, segundo o documento, revitimizava mulheres e meninas, sobretudo aquelas que já enfrentam o trauma da violência sexual.

— Vimos com grande preocupação a criação da “Semana Municipal de Combate ao Aborto”. Percebemos um risco real de retrocesso para as mulheres que precisam acessar o aborto legal, em casos que já são bastante restritos. Na prática, haveria uma revitimização dessas mulheres, expostas a uma campanha vexatória contrária a um direito garantido em lei — afirmou a Defensora Pública e Coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher (COMULHER), Thais Lima.

O documento também lembrou que o Estado brasileiro é signatário de tratados internacionais de proteção aos direitos das mulheres, como a Convenção de Belém do Pará e a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Na avaliação da Defensoria, a campanha proposta pelo PL configurava ato de violência psicológica praticada pelo Estado e contrariava o dever de acolhimento e cuidado não discriminatório que o país se comprometeu a cumprir.

A recomendação destacou, ainda, que ao centrar o debate no “combate” — e não na proteção e no acolhimento das mulheres — a proposta desviava o foco das políticas públicas essenciais, como o atendimento humanizado e o acesso a informações seguras. “Não era possível falar em conscientização quando o propósito era inibir um direito de saúde previsto em lei”, afirmou o documento.

Com a recomendação de veto, a Defensoria buscou preservar a ordem jurídica, os direitos fundamentais de mulheres e meninas e a integridade das políticas públicas de saúde, reforçando que a defesa da vida e da dignidade passa também pelo respeito à autonomia e à escuta das vítimas.

Texto: Mylena Novaes



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