Relatório do NUTH aponta entraves estruturais e reforça a urgência de financiamento e participação efetiva no PMHIS.

O relatório produzido pelo Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre o processo de elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS) revela um cenário complexo: embora o plano represente um avanço técnico e institucional, sua execução permanece ameaçada por entraves políticos, orçamentários e participativos. O registro, que é de acesso público, pode ser consultado por qualquer pessoa interessada em acompanhar o processo de elaboração do plano.

O documento sistematiza meses de debates, audiências públicas e oficinas territoriais — etapas fundamentais para garantir que as propostas reflitam a realidade das favelas e ocupações da cidade. Ainda assim, o processo, embora mais aberto que em anos anteriores, não alcançou a participação popular robusta prevista pelo Plano Diretor de 2024.

Na próxima quarta-feira, 18 de novembro, ocorrerá a última reunião do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS), responsável por aprovar a versão final do texto do plano. Já no dia 26 de novembro será realizada a última audiência pública, etapa que encerra oficialmente a metodologia de elaboração participativa prevista.

Fruto de meses de consultas públicas, oficinas territoriais e debates técnicos, o relatório do NUTH identificou que, embora o PMHIS represente um avanço institucional, sua execução está ameaçada pela baixa participação popular, fragilidades estruturais e, sobretudo, pela ausência de garantias orçamentárias. Para a Coordenadora do NUTH, e Defensora Pública Marília Farias, o principal desafio é claro: 

— O maior entrave é, sem dúvida, a falta de prioridade política que se traduz diretamente na insuficiência orçamentária. Sem orçamento garantido e blindado, o PMHIS se torna apenas uma carta de intenções — declarou, reforçando que a expectativa é de que o município assegure ao menos 1% do orçamento anual para viabilizar as ações previstas.

Além do financiamento, o relatório aponta falhas estruturais na forma como o poder público lida historicamente com a participação social. O acompanhamento do NUTH revelou que, em grande parte do processo, a presença da população foi baixa e pouco influente na tomada de decisões. Para a Defensora, isso reflete um problema mais profundo:

— O que o NUTH identificou é que a participação popular é frequentemente tratada de forma protocolar ou consultiva, e não deliberativa —afirmou.

Segundo ela, essa limitação está ligada a uma dificuldade histórica do município de reconhecer moradores de favelas e ocupações como sujeitos de direito cujo conhecimento deve orientar a formulação das políticas. Na prática, as decisões continuam sendo tomadas para os territórios, e não com eles.

O relatório também reforçou o papel central das Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), classificadas como instrumentos fundamentais de proteção territorial. Seu reconhecimento formal garante prioridade de investimentos em urbanização, protege comunidades da especulação imobiliária e abre caminho para processos de regularização fundiária adequados às realidades locais. Ao longo da elaboração do PMHIS, o NUTH apresentou mais de 100 propostas de novas AEIS 1 e 2, georreferenciadas em todas as Áreas de Planejamento da cidade.

Diante da complexidade do plano e da necessidade de assegurar sua execução futura, o NUTH enfatizou que a sociedade civil será decisiva no acompanhamento pós-aprovação. “Sem pressão e monitoramento constantes, o plano corre o sério risco de ser engavetado ou implementado de forma parcial”, alerta o relatório. Para isso, transparência sobre o uso dos recursos do Fundo Municipal de Habitação e o fortalecimento de conselhos e espaços deliberativos são considerados essenciais.

Ao longo de todo o processo, a Defensoria manteve a posição de que o plano precisa estar ancorado não apenas em diagnósticos precisos, mas em compromissos políticos claros, orçamento garantido e participação social efetiva. O futuro da política habitacional do Rio, conclui o relatório, dependerá diretamente da capacidade de o município transformar o PMHIS em instrumento vivo, transparente e contínuo — e não apenas em mais um documento arquivado.

Texto: Mylena Novaes



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